Triunfo da sabedoria

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  02/09/2021 08:07

REDE DA FELICIDADE

Incentivos extraídos do romance Nova Revolução Humana

Reprodução/Foto-RN176 Desenho de ilustração de uma reunião vitual entre pessoas pelo computador – Editora Brasil Seikyo – BSGI

No dia 8 de outubro de 1961, o presidente da Soka Gakkai, Shin’ichi Yamamoto (pseudônimo do Dr. Daisaku Ikeda na obra Nova Revolução Humana) e comitiva viajaram para Berlim Ocidental como parte da programação de sua viagem à Europa. A alegria aparente do povo dividia o cenário com a profunda tristeza que se abatia desde a Segunda Guerra Mundial e seus reflexos. Diante daquela realidade, em que o povo era quem mais sofria, o presidente Yamamoto toma uma decisão corajosa e lança um objetivo que, anos mais tarde, se tornou realidade. Seu empenho incansável no diálogo sem fronteiras foi decisivo. Acompanhe!

  1. DAISAKU IKEDA

Os habitantes de Berlim vieram convivendo durante muito tempo como cidadãos de uma mesma cidade. No entanto, da noite para o dia, viram surgir uma barreira intransponível e amigos, namorados e membros de uma mesma família foram separados repentinamente. A arbitrariedade do poder havia extirpado sem piedade os laços entre as pessoas assim como se estivesse cortando uma árvore viva.

Shin’ichi sentia uma dor profunda ao pensar no sofrimento do povo alemão diante dessa cruel retaliação. O céu estava aberto quando partiu do Aeroporto de Düsseldorf, mas nuvens espessas cobriam-no à medida que o avião se aproximava da Alemanha Oriental. Ele sentia como se essas nuvens estivessem refletindo a tristeza e a aflição dos habitantes de Berlim. (…)

Logo chegaram a uma ampla via pública chamada “Dezessete de Junho”. Do outro lado da avenida, viram um portal de pedra que lembrava um antigo templo grego. Era o Portão de Brandemburgo, que ficava na divisa com Berlim Oriental. Em cima do portal, podia-se ver a estátua de uma deusa da paz montada numa quadriga da Roma antiga. O Portão de Brandemburgo, construído no final do século 18 para ser um portal da paz, estava servindo como um símbolo da divisão provocada pela Guerra Fria. Ao se aproximarem, encontraram uma barreira a aproximadamente quinhentos metros do portal. (…)

Não existia vestígio de paz ao longo da fronteira. Os veículos do exército britânico providos de potentes metralhadoras percorriam a região com seus aparatos e a polícia da Alemanha Ocidental controlava os pontos estratégicos.

Pelo Portão de Brandemburgo era possível visualizar soldados no setor oriental. Uma atmosfera tensa impregnava a área. Os turistas conversavam em voz baixa, aos sussurros. Shin’ichi resolveu ir de carro até onde era permitido. À esquerda do portal havia um monumento em memória da vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial e do primeiro tanque que entrara em Berlim. O fato de esse monumento estar no território ocidental realçava a complexidade da situação. Num bosque próximo ao portal, o exército britânico havia montado um acampamento. Nas proximidades do Portão de Brandemburgo, o grande número de barreiras e alambrados de arame farpado demonstrava o clima tenso nessa área. A vigilância era intensa e viam-se soldados fortemente armados do lado da Alemanha Oriental. (…)

A comitiva se dirigiu então para a Avenida Bernauer, localizada no distrito controlado pelo exército francês. Os edifícios de um lado dessa avenida pertenciam a Berlim Oriental, enquanto a calçada e a via pavimentada faziam parte de Berlim Ocidental. As janelas dos andares mais altos permaneciam como antes, mas as portas e janelas do primeiro e segundo pisos estavam todas vedadas com tijolos. Diante de uma entrada bloqueada havia um enorme ramalhete de flores. Shin’ichi foi informado pelo motorista que ali havia falecido uma senhora idosa que pulou do quarto andar na tentativa de fugir para Berlim Ocidental. Cem metros adiante havia outro ramalhete. Cinco ou seis pessoas estavam ao seu redor observando os edifícios do lado oriental. (…)

Caminhando um pouco mais pela mesma avenida, encontraram um muro de tijolos por onde era possível ver Berlim Oriental. Nesse local, cerca de trinta pessoas estavam observando o outro lado e algumas acenavam. Ao olhar para o setor oriental, Shin’ichi percebeu vultos numa janela de um prédio ao longe acenando sem parar. Seriam parentes ou amigos daquelas que estavam perto do muro. De repente, os vultos desapareceram da janela. Eles se esconderam temendo ser vistos e acusados, eventualmente, pelos soldados berlinenses orientais de estarem transmitindo informações para o lado ocidental. Vendo diante dos próprios olhos a cruel realidade da separação forçada, ficaram estarrecidos. (…)

A comitiva seguiu de carro ao longo da fronteira. O muro de tijolos e de cimento prolongava-se quase sem fim. Em vários pontos viam-se pessoas paradas e pensativas diante do muro. A parede que se erguia diante dos olhos não possuía mais de três ou quatro metros. Seria muito fácil destruí-la. Entretanto, tinha o poder de tolher a liberdade, de separar as pessoas e dividir famílias e parentes. Que ato cruel cometido pelo ser humano!

Uma forte chama de indignação ardia no peito de Shin’ichi: “Negam às pessoas o direito de viver juntas e de se comunicar umas com as outras; consideram isso como um crime. É o equivalente a ordenar que os seres humanos não sejam humanos. Ninguém tem esse direito. Mesmo assim esse muro foi construído, e pelos seres humanos. Embora possamos falar de um conflito entre o Oriente e o Ocidente, é o surgimento da natureza demoníaca da sociedade que tolhe o coração das pessoas. E essa tragédia da separação assolou não somente a Alemanha como também a Península Coreana e o Vietnã. E não para aí. O Holocausto e as guerras em todas as suas formas, bem como as armas nucleares, são produtos da natureza maligna do poder”.

Ele se lembrava do conteúdo da Declaração pela Abolição das Armas Nucleares que se tornara um dos principais testamentos de Josei Toda. Ele refletia em silêncio: “O espírito daquela declaração também foi o de ‘arrancar as garras da natureza demoníaca alojadas na vida das pessoas’. Existe apenas uma força capaz de vencer a natureza maligna: é a força da natureza de buda inerente na vida dos seres humanos. A natureza de buda é a força motriz que constrói a paz revertendo a destruição em construção, a aversão em união. O kosen-rufu é o ato que cria a união e a harmonia entre as pessoas e que faz despontar a natureza de buda como um sol no interior do ser humano para dissipar a escuridão da natureza maligna alojada na vida”.

Reprodução/Foto-RN176 Momento em que Shin’ichi visita o Portão de Brandemburgo e profere sua histórica decisão (Berlim, out. 1961). Dr. Daisaku Ikeda, ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI

O carro voltou para a praça cercada de barreiras de onde se podia observar o Portão de Brandemburgo. Shin’ichi desceu do carro. A chuva já havia cessado e o céu se tingia com as cores do entardecer. Era um pôr do sol de rara beleza. O sol se coloria de vermelho profundo e os raios dourados se expandiam por todo o céu. A natureza celestial oferecia um momento de pausa e de tranquilidade na cidade coberta de tensão.

No momento em que contemplavam o entardecer, o motorista disse sorrindo:

— Nas ocasiões em que vemos um pôr do sol maravilhoso como esse, nós costumamos dizer: “Os anjos desceram do céu…”

As torres, os prédios, as vias bloqueadas e o Portão de Brandemburgo se coloriam de dourado. Shin’ichi pensou: “Quando o sol desponta, as nuvens se dispersam e tudo fica envolto pelos raios dourados. Se o sol da vida despontar no coração das pes­soas, o mundo será certamente banhado pelos brilhos da paz e um arco-íris de amizade unirá gloriosamente a humanidade”.

Fitando o portal, Shin’ichi disse aos companheiros da comitiva exaltando a sua convicção:

— Estou certo que, dentro de trinta anos, o Muro de Berlim será derrubado completamente.

Não se tratava de uma simples previsão do futuro nem mera expectativa. Sua esperança se basea­va na forte convicção no triunfo da consciência, da sabedoria e da coragem dos seres humanos que almejam a paz. Era também a expressão de devotar a sua vida em prol da paz e felicidade das pessoas. A determinação inabalável envolve todo o universo, o ichinen sanzen — esse é o princípio imutável do budismo.

“Lutarei para derrubar este muro e pela paz no mundo, para estimular a vida das pessoas com o diálogo e despertar o humanismo na consciência de todos. Vou dedicar a minha vida nesse trabalho” — pensando assim, Shin’ichi recitou sozinho o daimoku três vezes em direção ao Portão de Brandemburgo.

— Nam-myoho-renge-kyo…

Sua voz imbuída de profunda oração e juramento ressoava altivamente pelo céu do entardecer de Berlim.

Queda do Muro de Berlim

Na noite de 9 de novembro de 1989, ocorreu um dos marcos da história mundial: a queda do Muro de Berlim. A construção de concreto e arame, com 4 metros de altura e cerca de 155 quilômetros de extensão, demarcava a divisão de Berlim em duas, impedindo que a população do lado oriental mudasse para o lado ocidental (com maior desenvolvimento econômico). Obra conjunta do governo da Alemanha Oriental e da União Soviética, resultava das divisões territoriais pós-Segunda Guerra Mundial. Mais que um símbolo da divisão física, marcava também a separação do socialismo, representado pelos paí­ses da Cortina de Ferro, do restante do mundo, regido pelo sistema capitalista. Também chamado “muro da vergonha”, veio abaixo pelas mãos do povo. Moradores locais ocuparam o topo do muro e, logo após, o derrubaram, simbolizando o fim da Guerra Fria (entre americanos e soviéticos) — declarado em dezembro do mesmo ano, pelos presidentes Mikhail Gorbachev (União Soviética) e George Bush (Estados Unidos). Dois anos depois da queda do muro, Gorbachev renunciou e declarou extinto seu cargo, pondo fim definitivo ao regime socialista soviético.

São indiscutíveis as contribuições do presidente Ikeda para o fim da Guerra Fria, considerando os compenetrados diálogos que desenvolveu com diversas personalidades políticas da época, inclusive com o próprio Gorbachev. Sobre as perspectivas do Mestre, na Nova Revolução Humana constam as seguintes palavras de Eisuke Akizuki, vice-diretor-geral da Soka Gakkai:

— A expectativa do presidente Yamamoto em relação aos membros da Alemanha é muito grande. Quando ele esteve diante do Portão de Brandemburgo, em outubro de 1961, disse que o Muro de Berlim seria demolido dentro de trinta anos. Eu acredito que isso não é apenas uma previsão, mas a própria decisão do presidente Yamamoto. Por isso, solicito aos senhores que criem uma correnteza de paz e de felicidade aqui na Alemanha.1

Nota:

  1. IKEDA, Daisaku. Primavera. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 7, p. 139, 2018.

O personagem do presidente Ikeda no romance é Shin’ichi Yamamoto, e seu pseudônimo, como autor, é Ho Goku.

Fonte

IKEDA, Daisaku. Grande Brilho. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 4, p. 265-271, 2018.