Um discurso pela era do soft power

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  18/09/2021 07:34

REDAÇÃO/ESPECIAL

Palestra proferida pelo presidente Ikeda na Universidade Harvard completa três décadas e sua mensagem segue como resposta criativa aos desafios globais

 

Reprodução/Foto-RN176 Palestra proferida pelo presidente Ikeda na Universidade Harvard nos Estados Unidos em 26 setembro de 1991, Dr. Daisaku Ikeda, ele é um filósofo, escritor, fotógrafo, poeta e líder budista da SGI atualmente o Mestre e Presidente da Soka Gakkai Internacional – SGI – Editora Brasil Seikyo – BSGI

Há trinta anos, em 26 setembro de 1991, o presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, expressava suas ideias no emblemático discurso que proferiu na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Com o tema “A Era do Soft Power e da Filosofia de Motivação Interior”, trouxe uma análise profunda e revolucionária sobre o comportamento humano no contexto social o qual se apresentava, pela ótica do humanismo budista. A palestra em Harvard significou, além disso, ampla perspectiva no mundo intelectual em defesa da paz e da dignidade da vida.

Provocar a mudança

O fim da década de 1980 e o início da década de 1990 representam um período de transições e de conflitos no mundo, como o término da guerra entre Irã e Iraque, em 1988, seguido da retirada da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) do Afeganistão, em 1989, após dez anos de invasão; isso culmina na dissolução da URSS posteriormente. Ainda em 1989, cai o Muro de Berlim, marcando o fim da Guerra Fria. No entanto, a década de 1990 se inicia com a Guerra do Golfo.

A época é tomada por autoritarismo, intolerância, desvalorização da vida e interesse pelo poder. O cientista político estadunidense e teórico de relações internacionais, Joseph Nye atribui tais características ao que ele denomina “hard power”. No fim da década de 1990, Nye difundiu este como um dos conceitos utilizados pelos Estados em relação ao poder, mas também o “soft power”, que corresponde à persuasão em vez da força.

O Dr. Ikeda se aprofundou no conceito de “soft power”, defendendo a crença da automotivação e dos contínuos esforços de cada pessoa para evidenciar seu potencial intrínseco, visando à criação de uma sociedade colaborativa e pacífica — atributos da cultura Soka. Isso significou um impulso na nova corrente de pensamento que surgia em meio a tantos desafios globais.

Antes de proferir o discurso em Harvard, Daisaku Ikeda dialoga com o Dr. Neil L. Rudenstine, um homem simples que se formou na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e que na época se torna o 26º presidente de Harvard.

O líder da SGI relembra:

Perguntei-lhe diretamente: “Em uma época de intensas mudanças como a nossa, quais devem ser as prioridades máximas da educação universitária?” Sua resposta também foi direta: “Primeiro, os estudantes devem adquirir conhecimento básico em seu campo de estudo. Segundo, devem desenvolver uma profunda visão da vida. Se os estudantes possuí­rem uma sólida filosofia, eles serão capazes de realizar mudanças em seu ambiente flexivelmente e continuar a crescer”.1

Fundo de cena

O presidente Ikeda descreve aquele setembro de 1991, ocasião da palestra, realizada na cidade de Boston: “À medida que atravessávamos o rio Charles, o Oceano Atlântico ia se destacando à direita. Uma agradável brisa outonal acariciava a superfície do rio. Nosso destino era a Universidade Harvard”.2

O Auditório Weiner da John F. Kennedy School of Government [Escola de Governo John F. Kennedy] foi o local destinado àquele evento. As cadeiras enfileiradas formam um semicírculo em torno do púlpito. Um painel anunciava o título em inglês da palestra “A Era do Soft Power e da Filosofia de Motivação Interior”. O Dr. Ikeda detalha: “Recordo-me de que o evento começou por volta das 18 horas. Além do corpo docente de Harvard, a audiência incluía professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, da Universidade Tufts e da Universidade de Boston. (…) Quando terminei, houve uma breve pausa, e então o auditório irrompeu em aplausos. Senti uma profunda gratidão”.3

Após, o próprio Dr. Joseph Nye, diretor do Centro de Assuntos Internacionais de Harvard na ocasião, e o professor Ashton Carter, diretor do Centro de Assuntos Científicos e Internacionais da Escola de Governo John F. Kennedy, expressaram suas considerações.

Como tudo começou

O segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, deu passos significativos para difundir o humanismo Soka no mundo acadêmico ao publicar uma edição revisada da obra de Tsunesaburo Makiguchi — Teoria do Valor (Kachi Ron) — e doar exemplares para 422 instituições acadêmicas em cinquenta países e territórios. Josei Toda dizia frequentemente que o princípio do respeito absoluto à dignidade da vida e o espírito de benevolência que constituem a filosofia budista sustentada pela Soka Gakkai deveriam ser inseridos nas instituições acadêmicas com o objetivo de levar a felicidade às pessoas. “Quando as universidades do mundo inteiro começarem a apreciar a filosofia budista, a estudar e a pesquisar sobre isso, surgirá certamente um novo movimento intelectual”.4

Com sua palestra, Ikeda sensei concretizava também o desejo de Josei Toda. No romance Nova Revolução Humana, ele descreve sobre o primeiro discurso que fez numa universidade fora do Japão, salientando seu anseio de chegar a Harvard. “Quando chegaram ao hotel, Shin’ichi [pseudônimo do presidente Ikeda na obra] disse aos líderes que o acompanhavam: ‘Gostaria de continuar proferindo palestras em universidades para divulgar amplamente o pensamento budista. Chegará o dia em que discursarei em distintas instituições como a Universidade Harvard’”.5

Anos depois, numa época improvável, Daisaku Ikeda discursa nessa universidade e também em vários centros universitários pelo mundo. “Esperava que meu discurso em Harvard, em particular, fosse um ponto de encontro do conhecimento ocidental e da sabedoria oriental, como também um diálogo brilhante tendo como enfoque um sério reexame dos princípios religiosos. Além disso, queria lançar uma nova luz sobre a história da perspectiva do ser humano”.6

Dois anos depois, em 24 de setembro de 1993, realiza o segundo discurso na instituição, intitulado “O Budismo Mahayana e a Civilização do Século 21”. “Em ambos os discursos em Harvard, minha intenção não foi expor o budismo como um oriental que se dirige aos ocidentais que pouco conhecem sobre a sua filosofia. Ao contrário, com base em propósitos comuns com meus ouvintes, tentei examinar a questão de como o pensamento budista pode contribuir para o mundo no século 21”.7

Avanço ininterrupto

A palestra em Harvard repercutiu amplamente nos Estados Unidos e em vários países, mas, principalmente, impulsionou o movimento pacífico promovido pela Soka Gakkai no campo da educação e da pesquisa com foco na criação de cidadãos globais.

Em março de 1993, é inaugurado o Centro de Pesquisas para o Século XXI de Boston, com a meta de se tornar uma rede de cidadãos do mundo. No mesmo ano, é inaugurado o Centro Ikeda para a Paz, a Aprendizagem e o Diálogo, em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos, cuja missão é construir culturas de paz por meio do aprendizado e do diálogo.

Além disso, vale salientar a ampliação do sistema educacional Soka com os ideais de formar líderes que atuem em prol da cultura, do humanismo e da paz, e para a coexistência criativa entre pessoa e ambiente.

Os temas expostos na palestra sugerem um modelo social de coexistência criativa e pacífica que se inicia com a autorreforma do ser humano. Podem ser considerados respostas assertivas no contexto atual envolto nas crises políticas, humanitárias, ambientais e até diante da crise pandêmica e os desafios socioeconômicos que uma pandemia traz, mas também dos avanços que podem ser realizados. “Hoje, mais de dez anos após meu primeiro discurso, o soft power na informação, conforme demonstrado pela atual revolução de tecnologia de informação, está tendo um forte impacto nos sistemas sociais. Através de recursos como a internet, as pessoas do mundo inteiro estão simultaneamente conectadas. Por essa única razão, mais que nunca, as pessoas necessitam de uma força de motivação interior de autocontrole e consideração pelos demais”,8 conclui.

O legado de Harvard

Harvard foi fundada em 1636, 140 anos antes da independência dos Estados Unidos, sendo considerada um centro do intelecto no país.

É a universidade mais antiga da América. Quando foi fundada, a matéria cálculo não era oferecida pela instituição, pois o cálculo ainda não tinha sido inventado.

De suas célebres salas surgiram figuras proeminentes atuantes em todos os campos, entre as quais seis presidentes estadunidenses, mais de trinta ganhadores do Prêmio Nobel e trinta recebedores do Prêmio Pulitzer.

A universidade se destaca por atender às exigências dos tempos e da sociedade de abrir as portas da educação para o mundo, sendo referida como “Nações Unidas privada” e um “conglomerado do saber”.

Possui 79 bibliotecas, sendo o sistema bibliotecário mais antigo do país.

Conta com um Departamento de Estudos de Sânscrito e de Hindi e um Centro de Estudos de Religiões Mundiais.

Pontos citados na palestra

  1. Substituição permanente do hard power: “Iniciei meu discurso destacando que a força motriz da história quase sempre dependeu do hard power do poder militar, do autoritarismo político e da riqueza, mas que em anos recentes a importância relativa desse poder havia diminuído gradativamente, dando lugar ao conhecimento, à informação, à cultura e às ideias — os instrumentos do soft power. (…) A espiritualidade de automotivação seria o meio para conseguir isso”.
  2. Restauração da filosofia: “A filosofia teria crescente importância, e a consciência moral amplamente fundamentada e de valor universal se tornaria cada vez mais necessária. Defendi, portanto, uma restauração da filosofia que desencadeasse a energia inata do indivíduo”.
  3. Japão e Estados Unidos: “Meu discurso teve como subtítulo ‘Para o Desenvolvimento de uma Nova Relação entre o Japão e os Estados Unidos’. (…) Discutindo sobre as relações do passado, salientei que a tendência do Japão moderno de oscilar entre os extremos da autoconfiança excessiva e a timidez devia-se à clara falta de autocontrole gerado interiormente”.
  4. Contato entre culturas diferentes: “Argumentei ainda em meu discurso que, quando pessoas de diferentes culturas entram em contato, ambas as partes devem atuar a partir de uma espiritualidade voltada para o interior que fortaleça o autocontrole. Nesse sentido, defendi que o princípio budista de origem dependente”.
  5. Unicidade com o ambiente: “Também apresentei o conceito budista da unicidade do ser vivo e seu meio ambiente — a ideia de que o mundo subjetivo do indivíduo e o mundo objetivo do meio ambiente são dois aspectos integrantes da mesma entidade”.
  6. Revitalização dos laços humanos: “Numa era de soft power, enfatizei que as pessoas procuram ansiosamente por uma filosofia que restaure e rejuvenesça laços humanos insubstituíveis como a amizade, a confiança e o amor”.

Fonte: Terceira Civilização, ed. 397, set. 2001.

LEIA O DISCURSO NA ÍNTEGRA

no Brasil Seikyo, ed. 1.793, 30 abr. 2005, p. A5.

Notas:

  1. Terceira Civilização, ed. 397, set. 2001, p. 8.
  2. Ibidem, p. 1 e 2.
  3. Ibidem, p. 2.
  4. IKEDA, Daisaku. Luz do Sol. Nova Revolução Humana. São Paulo: Editora Brasil Seikyo. In: Brasil Seikyo, ed. 2.079, 16 abr. 2011, p. A13. Parte 3.
  5. Ibidem.
  6. Terceira Civilização, ed. 397, set. 2001, p. 3.
  7. Ibidem, p. 6.
  8. Ibidem, p. 7.