ROTANEWS176 E POR ISTOÉ 10/05/19 09h30 Vicente Vilardaga
Acusado pelo autoritário governo de Recep Erdogan, imigrante turco Ali Sipahi será julgado por meras suspeitas — sua defesa alega perseguição política
Reprodução/Foto-RN176 ALTA TENSÃO Merve, mulher de Ali Sipahi, diz que o marido(abaixo) sofre perseguição do governo turco: ele aguarda julgamento em liberdade (Crédito: DANIEL TEIXEIRA)
O comerciante turco Ali Sipahi, de 31 anos, vive no Brasil desde 2007. Naturalizado brasileiro, casado e com um filho de 4 anos, ele é dono de um restaurante em São Paulo, na região do Baixo Augusta, onde vende comidas típicas como kebabs, os sanduíches árabes, e lahmajouns, um tipo de esfirra. Está integrado ao País e leva uma vida de classe média. Há um mês, quando voltava com a família de uma viagem de férias aos Estados Unidos, Sipahi foi cercado pela Polícia Federal e preso inesperadamente assim que desembarcou no País. Havia um mandado de prisão contra ele a pedido da Procuradoria de Ancara, na Turquia. E a acusação era aterradora: terrorismo. Ele não é acusado de matar ninguém nem de ter cometido alguma crueldade. Seu problema é a proximidade com a organização Hizmet, do clérigo muçulmano Fethullah Güllen, que vive exilado nos Estados Unidos. O presidente da Turquia, Recep Erdogan, considera Güllen um perigoso inimigo.
Reprodução/Foto-RN176 DANIEL TEIXEIRA
Na terça-feira 7, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin decidiu soltar Sipahi sob o argumento de que ele tem residência fixa no Brasil, nacionalidade desde 2016, não possui antecedentes criminais e precisa manter sua família. Mas seus problemas não acabaram. Sipahi terá que usar tornozeleira eletrônica, entregar o passaporte e não se ausentar de São Paulo até o dia de seu julgamento. Ele alega que é perseguido político e afirma que nunca teve atividades consideradas subversivas. O governo turco fará suas acusações e Sipahi será julgado numa data ainda não definida — vale ressaltar que a expatriação de brasileiros naturalizados só é possível se for motivada por crime comum. No caso de crimes políticos ela é discutível. Um tribunal irá avaliar o caso e dar seu veredito.
Reprodução/Foto-RN176 ALTO RISCO Recep Erdogan quer prender e condenar os simpatizantes do Hizmet que vivem no Brasil (Crédito:Turkish Presidency / Murat Cetin)
“Acredito no Brasil. Aqui tem justiça, tem democracia. Meu marido sofre perseguição do governo turco. Ele é trabalhador e somos inocentes”, disse a mulher de Sipahi, Merve, que foi chamada pela Justiça Federal para depor na semana passada. Ela está há seis anos no Brasil e tem dificuldades com o português. O filho pequeno viu o pai na televisão e está nervoso, não entende direito a situação. Para o governo turco, entre as evidências contra Sipahi estão suas atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e na Câmara de Comércio e Indústria Turco-Brasileira (CCITB), órgãos ligados ao Hizmet. Ele também é assinante do jornal da organização.
Reprodução/Foto-RN176 Tentativa de golpe
Erdogan acusa Fethullah Güllen de ter planejado uma tentativa de golpe na Turquia em julho de 2016. A relação entre os dois é tensa. Güllen, apesar de viver desde 1999 nos Estados Unidos, mantém grande influência em seu país natal. Possui negócios e seguidores e é uma ameaça política permanente para Erdogan. De acordo com uma nota divulgada pela Embaixada da Turquia no Brasil, “o movimento Hizmet é, na verdade, um nome utilizado para disfarçar as atividades da organização terrorista Fetö, cujo líder é Güllen”. Para o governo turco, a Fetö é uma séria ameaça para a Turquia e para outros países. Segundo a Embaixada, o Hizmet se disfarçou como um movimento de educação para se infiltrar no governo.
A prisão de Sipahi disparou grande temor entre a comunidade turca no Brasil. O medo é que venham novos pedidos de extradição
s simpatizantes do Hizmet, que têm atividades em mais de 160 países, dizem que se trata de um movimento pacífico, focado em educação, tolerância religiosa e projetos assistenciais. Criado na década de 1970 por Güllen, vive uma atividade econômica intensa e compartilha um islamismo progressista, em que se valoriza o ensino e a caridade. Seus membros administram centenas de escolas, centros culturais, hospitais, veículos de mídia, entre outras empresas e instituições, na Turquia e em outros países. A prisão de Sipahi disparou um temor entre a comunidade turca de que cheguem ao Brasil outros pedidos de extradição. Já há noticias de que diversos turcos decidiram ir embora, achando que o País se tornou um foco de atenção de Erdogan, por causa de suas afinidades com Jair Bolsonaro. Em São Paulo, o maior agrupamento de turcos fica no bairro de Santo Amaro, na Zona Sul, somando cerca de mil pessoas — das quais 25% estão ligadas ao Hizmet. Antes de tentar prender Ali Sipahi, o governo da Turquia já tinha feito uma retaliação ao Hizmet ao cancelar suas aulas no Brasil.