Uma orquestra só para pessoas com alguma deficiência

ROTANEWS176 E POR ESTADÃO CONTEÚDO 28/3/2022 10h07                                                                                Por Gilberto Amendola

Projeto já seleciona interessados. Ideia é oferecer oportunidade para músicos talentosos

Reprodução/Foto-RN176 A musicista Naiala Oliveira, que usa prótese na perna esquerda, é uma das entusiastas do projeto Foto: Paulo Freitas

“A música me ensinou muito. Foi com ela que eu aprendi que a gente pode ser capaz de coisas incríveis e nada pode nos limitar”, disse a musicista Naiala Oliveira, 29 anos. A violinista e pianista, que usa uma prótese na perna esquerda, é uma das entusiastas da criação da primeira orquestra “parassinfônica” brasileira. Ou seja, uma orquestra formada apenas por músicos com alguma deficiência física ou motora.

O idealizador do projeto, o produtor cultural Igor Cayres, 46 anos, teve uma série de inspirações para chegar ao conceito de uma orquestra que abraçasse a difrença . A primeira delas foi ter assistido um grupo de percussionistas africanos com deficiência durante o festival Percpan (Panorama Percussivo Mundial); outra importante fonte de inspiração foi ter trabalhado como o maestro João Carlos Martins (que por sua vez tem o movimento das mãos comprometido por acidentes e doenças).

Por último, a consciência dos desafios enfrentados por pessoas com deficiência também surgiu dentro da própria família. “Em 2019, um pouco antes do falecimento, minha mãe ficou cadeirante. Assim como eu, ela sempre foi produtora cultural. Nesta fase, acompanhei a força que ela tinha, mas também entendi as dificuldades e a falta de oportunidades na sociedade para uma pessoas com mobilidade reduzida”, contou Cayres.

Ao juntar esses elementos, o produtor decidiu que era o momento de agir. Por meio da Lei Rouanet, conseguiu o apoio para o início desta jornada. “Nosso objetivo é promover o empoderamento de músicos e musicistas com deficiência para que essas pessoas possam desempenhar seu protagonismo na sociedade”, disse.

As inscrições para a orquestra já estão abertas e seguem até o dia 11 de abril. Ela deve ser feita no site da Orquestra Parassinfônica de São Paulo (opesp.com.br). Podem se inscrever músicos e musicistas entre 18 e 48 anos – com deficiência comprovada e conhecimento musical em instrumentos de corda, flautas, oboés, clarinetes, fagotes, trompetes, trompas e percussões.

Após uma pré-seleção das inscrições online, até 90 pessoas irão para a fase de audições presenciais. Desse grupo, 30 serão selecionados para quatro meses de ensaios sob regência do maestro Roberto Tibiriçá. Por fim, um concerto será realizado no Theatro Municipal de São Paulo com o grupo. Os selecionados recebem uma bolsa de meio salário mínimo para participar do projeto.

O sonho de Cayres é que a orquestra não se encerre com a apresentação esperada para o final de ano. “Meu grande objetivo é a circulação desta orquestra. Quero que ela abra novos espaços e promova intercâmbio entre outras orquestras. Gostaria de ter um corpo artístico permanente”, disse o entusiasta do projeto.

Outro desejo é que a orquestra possa contar com participações especiais, como a do já citado maestro João Carlos Martins, Herbert Vianna e outros músicos que tenham entendimento das dificuldades do artista com mobilidade reduzida.

Por ser o rosto da divulgação da futura orquestra, a violinista e pianista Naiala não irá participar das audições neste primeiro momento. Ela irá aguardar uma oportunidade para acompanhar a orquestra em futuras apresentações, como convidada. Naiala, que usa prótese na perna esquerda porque o joelho não se desenvolveu como o resto do corpo, falou da importância da formação da orquestra: “Existem muitos músicos talentosos que são deficientes. Mas não existem muitas oportunidades. Da nossa parte, às vezes, existe até o medo de sair de casa, de mostrar nosso talento. Existe um preconceito velado. Ter uma orquestra com pessoas com deficiência é uma oportunidade de superar isso”, afirmou.

Sobre o preconceito “velado”, Naiala explica: “A pessoa não fala, mas você percebe pelo jeito que ela começa a agir com você. Isso ainda acontece, mas uma orquestra que dê destaque para esse tipo de artista será muito importante para vencer mais essa barreira”.