ROTANEWS176 EISTOÉ 02/11/2017 00:00 Por Eliane Lobato
Reprodução/Rota-176 Um dos maiores craques da história do futebol brasileiro, Zico fala sobre a corrupção em associações como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
Zico caminha com dificuldade, mancando, pelo Centro de Futebol Zico (CFZ), sua agremiação esportiva para crianças e adolescentes, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Quem acompanha a carreira deste gigante do futebol brasileiro já sabe o motivo: o joelho foi maltratado durante anos por entradas desleais de adversários.
Mas o que ele mais lamenta nesta entrevista à ISTOÉ não é a dor e, sim, a corrupção em associações como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Aos 64 anos, Zico faz gols, agora, no YouTube: seu canal Zico 10, no qual entrevista pessoas do esporte e outras áreas, já teve mais de 6 milhões de visualizações e conta com 300 mil inscritos em apenas seis meses. O ex-craque e ex-técnico acha que os brasileiros podem ter a chance de se vingar do fiasco que foi a Copa de 2014. Se tudo continuar como está, segundo ele, estaremos na final.
Há muita corrupção no futebol?
A corrupção invadiu o Brasil. No futebol, não vem de agora, mas de muito tempo. O Brasil está cheio de políticos que só pensam neles mesmos, nos interesses deles. Mas também temos culpa por fazermos escolhas erradas. O que eu acho é que o (presidente Michel) Temer perdeu uma grande oportunidade de tomar uma decisão fundamental quando saiu a Dilma (Rousseff): reunir todo mundo e realizar novas eleições. Não tinha outra medida pra ele tomar.
Os atletas de gerações anteriores, como o sr., não poderiam ter denunciado os esquemas ilegais que estão aparecendo agora?
Não tem como bater de frente. Essas entidades têm seus estatutos que não permitem sequer que o atleta seja candidato a dirigente. Só eles, que estão no comando, poderiam mudar. Então, tem que torcer pra uma alma bendita chegar lá e mudar isso.
Qual é a sua relação com a Confederação Brasileira de Futebol?
Venho brigando com essa entidade desde 1989. Fui criticado e processado pelo presidente da CBF, que era o Ricardo Teixeira, porque eu disse que a Copa do Brasil, naquele ano, era um caça-níquel. Ele perdeu a causa. Hoje, os dirigentes da CBF estão envolvidos em denúncias sérias. O Teixeira está indiciado, o (José Maria) Marin está preso, o Marco Polo Del Nero, cheio de acusações relativas a corrupção. Será que só existem esses nomes para comandar o mundo do futebol? Cara, não é possível. Se não tivessem descoberto a corrupção, o Joseph Blatter estaria até hoje no comando da Fifa. No COB (Comitê Olímpico Brasileiro) acontece a mesma coisa: o (Carlos Arthur) Nuzman ficou anos e anos e ainda estaria no comando se não fossem as descobertas da Lava Jato.
Por que decidiu abrir um canal no YouTube?
Acho que sou bom de bater papo. Os convidados contam histórias engraçadas, falam de suas vidas, coisas que, sei, não falariam a jornalistas. Acho que hoje, no futebol, está havendo uma preocupação muito grande de se resguardar porque qualquer coisa que o jogador fala vira polêmica. No canal Zico 10 eles ficam à vontade.
Reprodução/Rota-176 “Se não tivessem descoberto a corrupção, os mesmos dirigentes estariam na Fifa até hoje. No COB, é a mesma coisa: o Nuzman ainda estaria no comando se não fosse a Lava Jato” (Crédito:Márcio Alves/Agência O Globo)
Acha que essa preocupação se deve à maior pressão hoje em dia?
Não, os números é que ficaram maiores, a quantidade de dinheiro que circula ficou maior. Lógico que gera mais cobrança e pressão. Mas isso faz parte do jogo, o cara tem que saber lidar. Quanto mais ganha, mais será cobrado. Tem que se preparar bem. Talvez essa seja a grande distância que há em relação aos tempos anteriores. Hoje, o jogador tem a receita do patrocinador, da TV, do jogo, de tudo que é lugar. Na minha época, o pagamento era feito com as receitas de rendas e jogos amistosos. Só. Não sou contra os salários serem altos porque todos ganham com o futebol, ou seja, por que os atletas não seriam bem remunerados também?
A internet deu voz para uma multidão de haters, aquelas pessoas que destilam ódio. O sr. já foi alvo deles?
Claro. No Facebook tenho quase três milhões de seguidores. No canal do YouTube, que existe há apenas seis meses, temos 300 mil inscritos, no Instagram, mais uns 500 mil. Outro dia, o grupo Assim Saúde, do qual sou contratado, sorteou três pessoas para assistir o Fla x Flu comigo no camarote. Fiz foto e postei na minha página. Vem um cara raivoso e diz: “Isso aqui não é lugar de fazer jabá, é lugar de falar de futebol.” Pô, é na minha página, caraca, eu faço o que eu quiser. Mas tem sempre outros internautas que vão lá defender, nem preciso perder meu tempo.
No contexto de nível baixo do futebol brasileiro, como o sr. avalia as nossas chances na Copa do ano que vem?
Concordo plenamente que o futebol está em um nível baixo, mas está se recuperando graças à alma bondosa do Tite (treinador da Seleção Brasileira), que conseguiu elevar a autoestima dos jogadores. A Seleção teve novo alento, ganhou oito jogos seguidos, se classificou para a Copa, e hoje está com um time pronto para jogar. Não tenho dúvida: se a Copa fosse hoje, o Brasil estaria na final. Estou com boa expectativa. Não acontecendo nada extra, mantidas as bases dos jogadores, a seleção brasileira vai chegar lá.
É uma boa seleção, então?
O Tite está dando muitas oportunidades para os jogadores que estão no Brasil, valorizando-os. A seleção tem uns 10 ou mais atletas que jogam aqui. Mas os melhores estão em outros países, como o Gabriel Jesus, o Philippe Coutinho, o Renato Augusto, o Neymar, o Paulinho, o Marcelo, o Daniel Alves. Os daqui são bons jogadores, sim, mas não atingiram o nível desses que estão lá fora.
Quem é melhor jogador, atualmente?
Este ano foi barbada: o Cristiano Ronaldo, que ganhou títulos, superou todo mundo nos jogos. Neymar tem perfil para ser o próximo. Acho que a saída dele do Barcelona (para o PSG) foi muito importante porque vão analisá-lo agora mais como protagonista. No Barcelona, todos ficam na sombra do (Lionel) Messi. Agora, a tendência é que os outros o ajudem em campo. Neymar tem só o problema do nervosismo. O pessoal começa a querer irritar, e ele entra. Tem que se acalmar porque o adversário, sabendo que é inferior, vai sempre querer provocar para tirar a concentração da bola. Até técnicos estimulam isso.
O sr. passou por isso? Conseguiu ficar calmo?
Passei. Os caras faziam mil coisas pra tentar me irritar, como puxar o calção, enfiar o dedo no rabo, agarrar a camisa, não é fácil. Eu consegui graças a ensinamentos que recebi. Um grande ex-companheiro me disse, e nunca esqueci: na vida, é importante ter memória e paciência. Memória para poder lembrar de ter paciência. E o grande (Paulo César) Carpegiani sempre frisava: ‘Não revide, Zico, porque ele quer te tirar do jogo. Não faça o jogo dele.’ Consegui.
É possível comparar os jogadores do período em que o sr. estava em campo com os atletas atuais?
Em resumo, os jogadores são iguais. Os tempos é que são diferentes. Hoje, tem um exame de sangue que diz se o cara está mais desgastado ou não. O problema é que isso determina o que o atleta faz ou não. Muitos aproveitam e se acomodam. Se o médico disser que acha melhor ele descansar, ele diz: ‘Tá bom, vou descansar.’ A geração anterior era fominha de bola, queria estar no campo toda hora. O pessoal, hoje, é mais profissional. Pode ser que eu esteja falando besteira, mas é a impressão que tenho.
Reprodução/Rota-176 “O futebol brasileiro está se recuperando graças à alma bondosa do Tite, que elevou a autoestima dos jogadores. Com ele, a Seleção teve novo alento” (Crédito:REUTERS/Paulo Whitaker)
Se o sr. tivesse que fazer um texto sobre si próprio, o que escreveria?
Escreveria: um jogador determinado. E com talento. Acho que a minha vantagem é que eu fazia da bola meu grande brinquedo. Não fiz do futebol uma profissão, fiz dele a minha diversão. Quando fui para o futebol, não pensava em carreira. Só pensava em ir para o Flamengo, que era meu clube do coração. Mas, hoje, os garotos sonham é com PSG, o Barcelona, o Real Madri.
O sr. desistiu da carreira de técnico?
Não, em nenhum momento. Mas, depois do que aconteceu na Copa do Mundo (2014), o técnico brasileiro passa por um momento muito difícil, o mercado procura os europeus. Eu iria se tivesse uma proposta boa. No Brasil, não quero. Como não aceito nada no Flamengo — porque uma coisa é você estar jogando e a outra, bem diferente, é depender dos outros — não vou aceitar ser técnico de outro time pra jogar contra o Flamengo.
O carrinho que o Márcio Nunes, jogador no Bangu, deu no sr. e estourou o seu joelho, em 1985, poderia ter sido evitado?
Claro, se ele fosse na bola, como eu fui, teria evitado. Mas ele veio dar uma tesoura. Isso foi ordem do técnico, que falou para todos os jogadores da defesa: quando (ele, Zico) passar, segura de qualquer maneira. Para uns, é dando chute. Para outros, é tesoura. Alguns seguram roupa. Esse aí não quis nem saber.