Os problemas da malha ferroviária brasileira

Enquanto dependência por caminhões encarece preço final de produtos, tamanho do transporte ferroviário do país é o mesmo de 100 anos atrás

ROTANEWS176 E POR O DIA 03/06/2018 09:40                                                                                                     Por DIRLEY FERNANDES

Reprodução/Fato-RN176 Ferrovia Norte-Sul, Anápolis (GO) – divulgação

Rio – Quando se fala na opção brasileira por rodovias em detrimento do transporte sobre trilhos, costuma-se culpar o governo JK, que, de fato, optou por construir rodovias, enquanto a Volkswagen e outras indústrias começavam a montar carros no país. No entanto, os golpes no transporte ferroviário continuam a acontecer 57 anos depois de o “presidente bossa nova” deixar o Planalto, em 1961. Na sexta-feira veio mais um. O governo tornou mais caro para as empresas de transporte ferroviário de cargas a contratação de funcionários. A chamada ‘reoneração da folha’ também atingiu o transporte aquaviário. Já o rodoviário ficou de fora, por exigência das transportadoras, acusadas de apoiar a paralisação dos caminhoneiros.

“De JK para cá não houve investimento em ferrovias. É uma opção política, porque fazer rodovias é muito mais rápido”, diz Marcus Quintella, especialista em Transportes e professor da FGV. “Trem depende de grandes projetos, mais investimento. Só que não temos um órgão planejador de verdade no Brasil”.

O resultado é que o Brasil é absolutamente dependente do transporte por caminhões, que corresponde a mais de 60% do total de cargas movimentadas, enquanto apenas 20% utilizam os trens. O problema é o custo. Em longas distâncias, a opção pelo caminhão é irracional, já que, segundo especialistas, pode custar o triplo do preço. Quem paga é o consumidor brasileiro, ou a economia como um todo, no caso das exportações, que perdem competitividade.

“O Brasil é um país rodoviarista e, ainda por cima, não tem rodovias. Temos uma malha de estradas de 1,8 milhão de quilômetros, mas apenas 12% são pavimentadas e cerca de 70% são de qualidade péssima ou regular”, diz Quintella.

Em 1922, o Brasil comemorou o centenário da independência celebrando a sua malha ferroviária, responsável pela “integração do imenso território brasileiro”. Eram então 29 mil quilômetros. Depois de 96 anos, a malha se expandiu de forma insignificante – são 30.576 quilômetros, segundo a Conferderação Nacional de Transportes, menos até do que a dos ‘hermanos’ argentinos, que contam com 37 mil quilômetros de trilhos para um território que é menos de um terço do brasileiro.

Carlos Campos Neto, especialista em Transporte do Ipea, faz a ressalva de que “greve de caminhão para qualquer país” e que atualmente o país não dispõe mesmo do montante de recursos necessários para investir nos trilhos. No entanto, ele questiona: “Se entre 2007 e 2014 o problema não era falta de recursos, por que essas obras não saíam? Temos problemas administrativos. O governo lança um programa de obras, passa os quatro anos daquele governo e as obras não vêm, porque são editais mal elaborados, contratos mal feitos, as licenças ambientais demoram anos, as desapropriações viram pendências judiciais…”, lista.

Quintella lembra que, além de poucas, as ferrovias brasileiras não estão no melhor estado. “Não adianta nem pensar em construir ferrovias quando as existentes têm problemas seríssimos, como passar por cidades, desvios, passagens de nível. Tudo isso é muito ruim”.

Leilões podem melhorar situação

Em dezembro de 2017, o então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Moreira Franco, garantiu: investimentos federais em ferrovias serão prioridade em 2018. Moreira mudou de ministério (foi para Minas e Energia) e, na segunda-feira, um novo ministro assumiu a pasta. Na posse, Ronaldo Fonseca, que era do partido Podemos, mas foi desfiliado por aceitar participar do governo Temer, anunciou: “O segundo semestre será o momento das ferrovias no Brasil”. Garantindo que o presidente Temer pediu a ele para ter “carinho” com a área, afirmou: “Com certeza vamos avançar nesse tema”.

A esperança de algum avanço é baseada em três leilões para concessões de trechos de ferrovias que o governo pretende realizar ainda este ano, apesar da descrença dos especialistas do setor.

O mais próximo de virar realidade entre os leilões pretendidos é o da Ferrovia Norte-Sul, no trecho de 1.537 quilômetros entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP), que já está quase 100% construído. O lance mínimo previsto nos estudos é de R$ 1,097 bilhão, pelo direito de explorar o trecho por 30 anos. O governo aguardo a sinal verde do Tribunal de Contas da União.

A Fiol, entre Tocantins e Bahia, que está com 70% da infraestrutura pronta, e a Ferrogrão, entre Mato Grosso e Pará, sem um trilho instalado, são os outros leilões, esses com chances remotas de sair este ano.De qualquer maneira, o formato das iniciativas vem recebendo críticas. “É mais uma tentativa do governo representar para a sociedade que está resolvendo o problema ferroviário”, diz Marcus Quintella, da FGV. “Estão tentando atrair iniciativa privada, mas ainda precisa de muito investimento público na área de infraestrutura. A verdade é que não há dinheiro privado que possa resolver o nosso déficit na área”.

Quintella acredita que o Brasil, se começar a investir agora em ferrovias, vai demorar 50 anos para recuperar o atraso. Já Carlos Campos Neto, do Ipea, diz que o risco de não mudar o rumo é ficar para trás, diante da competição internacional. “O Brasil hoje investe em transporte menos de 0,6% do PIB. Rússia, Índia, China, Coreia, Vietnã, Chile, Colômbia investem, em média, 3,2%. Se não conseguirmos multiplicar isso por quatro, não vamos conseguir dar competitividade a uma economia do tamanho da brasileira”.