Verdadeiro eu

ROTANEWS176 E POR JORNAL BRASIL SEIKYO  11/09/2021 09:21

REDAÇÃO/ESPECIAL

Em 2021, celebramos 750 anos da Perseguição de Tatsunokuchi, fato vivido por Nichiren Daishonin, o qual nos ensina que nossa verdadeira identidade só se revela com a convicção na fé

Reprodução/Foto-RN176 Panorama atual da região litorânea de Kamakura, no Japão. À dir., local em que ocorreu a Perseguição de Tatsunokuchi; à esq., ilha de Enoshima; ao fundo, o Monte Fuji  – Editora Brasil Seikyo – BSGI

A residência de Nichiren Daishonin foi cercada por uma multidão em algazarra, no décimo segundo dia do nono mês do oitavo ano de Bun’ei [1271]. De forma violenta, Hei no Saemon-no-jo Yoritsuna, poderosa figura política do xogunato Kamakura, com centenas de soldados, prendeu Daishonin na tentativa de silenciar seus ensinamentos. Nessa época, há 750 anos, ocorria um dos mais significativos momentos da vida do Buda, a Perseguição de Tatsunokuchi. Aparentemente, o estopim da perseguição foi a reação do sacerdote Ryokan, do templo Gokuraku-ji ao ter sua doutrina contestada por Nichiren Daishonin. Porém, a verdade é que a sociedade japonesa vivia pressionada pelo governo militarista que, por sua vez, sofria com a iminência de invasão estrangeira — inclusive predita por Daishonin e registrada em um de seus tratados. Para atacá-lo, Ryokan montou um plano sórdido, propagando uma série de boatos infundados sobre ele. Livrar-se de Daishonin era a maneira de o governo, que o via como um criminoso, se fortalecer mediante o povo.

Depois de preso, Nichiren Dai­shonin foi levado pelas ruas de Kamakura até a residência de Hojo Nobutoki, administrador da Ilha de Sado. A proposta era condenar Daishonin ao exílio em Sado, contudo, no meio da noite, ele foi escoltado a Tatsunokuchi para ser executado. No caminho, ao passar diante do santuário de Hachiman, desce resoluto do cavalo e proclama: “Agora, eu, Nichiren, sou o maior devoto do Sutra do Lótus em todo o Japão e não cometi nenhum crime”.1 Ao ser avisado sobre a decapitação, Shijo Kingo, fiel discípulo do Buda, o acompanha até o local da execução, que não apresentava nada de especial, apenas uma esteira na areia da praia. No momento do martírio, ao ouvir o pranto de Shijo Kingo, Daishonin o interpelou, dizendo: “Não compreende! Que alegria maior poderia haver?”.2 O executor levantou a espada, e foi nesse exato momento que um objeto esférico luminoso cruzou o céu. O que era escuridão se tornou pura luz, a ponto de cegar momentaneamente o carrasco, que deixou a espada cair. Amedrontados, alguns soldados de Hei no Saemon fugiram, outros, se recusaram a tentar novamente a execução. Não somente o céu e a face dos presentes foram aclarados naquele momento, mas iluminava-se também, de forma ainda mais profunda, a vida de Nichiren Daishonin. Por sua postura corajosa, ele abandonava sua condição transitória para a verdadeira identidade: a de Buda dos Últimos Dias da Lei.

Verdadeiro aspecto

Sobre o real sentido da Perseguição de Tatsunokuchi, o Dr. Daisaku Ikeda, presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), revela:

O objeto luminoso foi uma aclamação do universo em celebração e em testemunho do início da jornada de Daishonin para o infinito futuro. A Perseguição de Tatsunokuchi foi uma cerimônia na qual Daishonin revelou, no nível da realidade fenomenal, uma parte do infinito poder da Lei Mística que rege tudo no universo.3

Reprodução/Foto-RN176 Ilustração mostra a forte luz emanada pelo astro que cortou o céu de Tatsunokuchi e cegou os guardas que, amedrontados, desistiram de decapitar Nichiren Daishonin ­– Editora Brasil Seikyo – BSGI

Mas o que significam a Perseguição de Tatsunokuchi e a lição extraída dela no nível individual? Representam o desejo do mestre de que todos os discípulos manifestem sua máxima condição de vida, a qual é repleta de brilho e força, como o objeto que iluminou os céus ou como a própria mente do Buda, e que todos triunfem sobre as dificuldades e os obstáculos. Ikeda sensei incentiva:

Os obstáculos conduzem à iluminação. As perseguições levam ao kosen-rufu. Nichiren Daishonin nos ensinou isso com sua própria vida. Por pior que seja a ameaça à nossa vida, enquanto a fornalha da forte fé arder, nosso triunfo estará assegurado, ele nos dizia. Não sejam derrotados pelas perseguições, pelos inimigos, pela doença ou pela própria fraqueza. O sol da felicidade se eleva somente para aqueles que aceitam os desafios e conquistam a vitória. O sol do kosen-rufu desponta somente quando vencemos.4

No âmbito coletivo, a postura de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” (hosshaku kempon) também é um aspecto a ser concretizado pela própria organização, por meio da ação coletiva e harmoniosa de todos os membros. Ikeda sensei declara:

“A Soka Gakkai deve abandonar sua condição transitória e revelar sua verdadeira identidade.” O que ele queria dizer com isso? O presidente Josei Toda5 nos ensinou que essa declaração representa a profunda consciência, que deve ser propagada por toda a organização, de que somos os verdadeiros seguidores de Nichiren Daishonin e que precisamos nos dedicar em nossas atividades com um compromisso inabalável de realizar o kosen-rufu mundial.6

Forte convicção

O princípio básico de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” expressa o desejo do Buda de que todos os seus discípulos superem suas dificuldades e se tornem verdadeiros budas. Para que isso se concretize, devemos comprovar a força da nossa prática por meio de provas reais, ou seja, comprovando no dia a dia.

Nichiren Daishonin, mesmo diante de uma iminente decapitação, manteve-se tranquilo, convicto de sua fé. Postura expressa em algumas circunstâncias, por exemplo, quando previu que seria executado. Ainda assim, seguiu alertando o governo, quando foi agredido pelos soldados de Hei no Saemon, no momento da prisão, conforme já citado, na ocasião da admoestação diante do santuário de Hachiman ou ainda enquanto incentivava Shijo Kingo. Esse sentimento está contido nas palavras:

Ao observar o que ocorria, compreendi que não estava diante de um acontecimento comum, e pensei: “Nos últimos meses, vinha esperando que, cedo ou tarde, algo assim acontecesse. Que alegria poder dar a vida pelo Sutra do Lótus! Se tiver de perder esta cabeça de pouco valor [pelo estado de buda], será como trocar areia por ouro, ou pedras por joias”.7

É importante que façamos uma profunda reflexão: “Dentro da minha realidade consigo manter profunda convicção na fé, descartando a condição momentânea de sofrimento e revelando meu verdadeiro eu?”. Como chegar a essa condição de total fé no Gohonzon e na Lei Mística do Nam-myoho-renge-kyo? Ikeda sensei responde da seguinte forma:

Como é possível desenvolver um estado de vida tão elevado? Como pode um ser humano chegar a essa grandiosidade? Não há mistério maior do que esse. Tenho certeza de que isso se deve à força de um juramento. Quando dedicamos nossa vida totalmente ao cumprimento de uma promessa e à concretização dos ideais mais nobres, nosso coração se expande ilimitadamente. O budismo fala de um “juramento feito no remoto passado”. Esse juramento é a base que nos permite dissipar a escuridão e viver de acordo com a natureza essencial dos fenômenos. Especificamente, isso significa ter um coração que se preocupa com a própria felicidade e com a dos demais, e também com o grande juramento pelo kosen-rufu.8

Após a frustrada tentativa de decapitação, decidiu-se pelo exílio do Buda na gélida Ilha de Sado, local inóspito do qual poucos conseguiam sair vivos. Alguns ainda tentaram libertar Daishonin, mas a população em geral continuou a repreendê-lo. Existem ainda registros de que soldados, que até então praticavam os ensinamentos da escola Terra Pura, escolheram, diante dele, se converter aos seus ensinamentos. Nada poderá destruir a sincera determinação de alguém que despertou para seu juramento e sua missão. Mantendo-se sempre firme, Nichiren Daishonin não somente comprovou a veracidade do seu ensinamento, mas também doou sua vida como inspiração para nos incentivar.

Hoje, 750 anos depois, nós estamos aqui praticando os ensinamentos de Daishonin e cumprindo nosso juramento de concretizar o kosen-rufu, prova de que nada ocorre em vão. Ao contrário, embora possamos nos sentir muitas vezes acuados pelas circunstâncias, sem saída, é neste momento que devemos abrir mão do nosso eu transitório e permitir que surja nosso verdadeiro aspecto, vitorioso e inabalável. A prática da fé ilumina a vida.

No topo: panorama atual da região litorânea de Kamakura, no Japão. À dir., local em que ocorreu a Perseguição de Tatsunokuchi; à esq., ilha de Enoshima; ao fundo, o Monte Fuji

Notas:

  1. Coletânea dos Escritos de Nichiren Dai­shonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 25, 2017.
  2. Ibidem, p. 26.
  3. Terceira Civilização, ed. 396, ago. 2001.
  4. Ibidem.
  5. Josei Toda (1900–1958), segundo presidente da Soka Gakkai.
  6. Terceira Civilização, ed. 396, ago. 2001.
  7. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 24, 2017.
  8. Terceira Civilização, ed. 427, mar. 2004.

Fontes:

Os Fundamentos do Budismo Nichiren para a Nova Era do Kosen-rufu Mundial. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, 2019.

Terceira Civilização, ed. 395, jul. 2001.

Terceira Civilização, ed. 396, ago. 2001.

Brasil Seikyo, ed. 1.491, 16 jan. 1999.

Leia mais

As Ações do Devoto do Sutra do Lótus. In: Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. II, p. 21, 2017.