‘Tenho vergonha das minhas tatuagens neonazistas’

Militante arrependido é um dos que estão sendo recuperados por programa do governo britânico, mas extremismo de direita cresce no país e preocupa autoridades.

BBC BRASIL.COM 26/07/2017 26/07/2017 15:55

REINO UNIDO

O número de militantes de extrema-direita em um programa antirradicalização do governo britânico cresceu de forma significativa.

Reprodução/Foto-RN176  Mão com a palavra “ódio” escrita Foto: BBCBrasil.com

De acordo com os números mais recentes divulgados pelo Ministério do Interior, relativos ao ano de 2016, um terço de todas as pessoas encaminhadas ao Channel – uma iniciativa do governo que oferece apoio psicológico a pessoas consideradas recrutáveis por extremistas – era ligado a causas de extrema-direita.

O crescimento em relação a 2015 foi de 25%. Em algumas áreas do Reino Unido, mais de 50% dos encaminhamentos, sempre a cargo das autoridades, são de indivíduos ligados a esse segmento – o programa também atende pessoas sob o risco de serem cooptadas por extremistas islâmicos, por exemplo.

Em conversa com a BBC, um homem que chamaremos de Steve, que participa do programa, conta ter vergonha as tatuagens nazistas que fez no corpo por causa de sua radicalização, que ele considera ter sido alimentada pelo consumo de álcool e drogas.

‘Vergonha’

“É, provavelmente, a coisa mais embaraçosa e imperdoável que fiz na minha vida”, diz ele.

“Tenho vergonha.”

Seu nome real não é revelado para mantê-lo a salvo de ex-companheiros.

Reprodução/Foto-RN176  Manifestantes da extrema-direita durante evento em Londres Foto: BBCBrasil.com

Steve diz que suas tatuagens não representam mais suas opiniões políticas. Há seis meses, ele foi detido por agentes da polícia especializados em operações antiextremismo.

“Quando era criança, muitos dos meus amigos tinham bonecos vestidos com o uniforme militar britânico. Eu sempre queria os meus com algum tipo de influência alemã. Para mim, eles eram os oprimidos”, afirma.

Saúde mental

“À medida que fiquei mais velho, passei a apreciar o elemento de poder e o caráter implacável do regime nazista. A única coisa de que eu não gostava era o tratamento dado aos judeus.”

Suas visões foram, então, levadas a sério por pessoas com visões extremistas.

“O tipo de linguagem que eu usava era a prova de que eu deveria ser levado a sério. Não era conversa fiada de bar.”

Steve tem problemas de saúde mental. Ele é alcóolatra e usuário de cocaína.

Reprodução/Foto-RN176  Marcha da English Defence League Foto: BBCBrasil.com

“Isso afeta minha capacidade de tomar decisões sensatas”, conta ele enquanto fala dos vícios.

“Estava na companhia de pessoas que não hesitavam em entrar em um ônibus para participar de uma marcha de extrema-direita. Eu participava para me sentir incluído. Às vezes, um telefonema bastava às vezes.”

‘Experiência surreal’

A estratégia das autoridades britânicas é identificar pessoas antes que elas possam cometer um ato extremista – um atentado, por exemplo.

Steve não tem delitos raciais ou ligados ao extremismo em sua ficha. Conta ter dado dinheiro para um partido de extrema-direita, mas não é filiado. Ele fala em “experiência surreal” quando relata seu encontro com a polícia.

“No auge do meu alcoolismo, fui parar no hospital diversas vezes, e acho que fui bem abusivo na recepção. Tinha comigo um livro que muitas pessoas consideram perigoso ( Psicopata Americano , de Bret Easton Ellis, um best-seller que relata a história de um rico executivo que também é um assassino em série).”

“Um dia, me dei conta de que estava em meu apartamento, cercado por policiais que se identificaram como sendo da Divisão Antiterrorismo. Percebi que estava em sérios apuros.”

De acordo com a legislação britânica, funcionários de hospitais são obrigados a reportar à polícia pessoas consideradas sob o risco de radicalização.

Reprodução/Foto-RN176  Marcha da extrema-direita em Londres Foto: BBCBrasil.com

O mentor de Steve no programa Channel é Mohammed Ashfaq, o fundador de uma ONG de apoio a alcóolatras e dependentes químicos.

Ashfaq conta já ter trabalhado tanto com extremistas islâmicos quando de extrema-direita e diz que programas de “desradicalização” são vitais para proteger indivíduos vulneráveis – pessoas como Steve.

“Havia gente tentando usar sua vulnerabilidade às drogas e seus problemas de saúde mental. Sabiam muito bem que ele era fácil de manipular e fazer alguma coisa a pedido deles”, diz.

“É assim que extremistas trabalham. Eles focam nos mais vulneráveis, os doutrinam e depois os deixam fazer o trabalho sujo.”

Steve está sóbrio há seis meses. Ele deixou a pequena cidade com população majoritariamente branca em que cresceu. Diz agora que seu antigo círculo social perpetuou um ciclo de “álcool, drogas, tolerância a atitudes racistas e um discurso repleto de termos racistas”.