21/12/1961: E o amigo da onça venceu

ROTANEWS176 E LITERATURA 12/012/2014 00h00

HISTÓRIA

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Reprodução/Foto-RN176  Caricatura do Amigo da Onça

Que o médico britânico[1] nascido em Edimburgo, Escócia, criador do detetive Sherlock Holmes (cuja fama superou a de seu criador) cansado da própria criação, tenha resolvido matar seu principal personagem numa de suas histórias (1893), e que depois, pressionado pelo público, teve de ressuscitá-lo, é coisa mais ou menos difundida. Creio que o caso tenha até entrado para a lista das curiosidades do “folclore” literário mundial.

Mas, em contrapartida, também existem casos opostos em que o personagem é que mata o criador. Parece estranho, mas é o que acontece. Um personagem se torna tão maior do que o seu autor, a ponto deste só enxergar a morte como única alternativa de se cortar os laços que os prendem mutuamente.

PÉRICLES MARANHÃO

Péricles de Andrade Maranhão (Recife, 14 de agosto de 1924 — Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1961 ) foi um dos cartunista brasileiro de maior sucesso entre as décadas de 1940 e 50. Criou-se em Pernambuco. Em 1942, muda-se para o Rio de Janeiro, onde começa sua carreira nos veículos dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand com “As aventuras de Oliveira Trapalhão”, publicadas na revista “A Cigarra”. Em outubro de 1943, a revista “O Cruzeiro” começa a publicar as histórias do Amigo da Onça, que se transformaria em um dos personagens mais populares do país, se incluindo imediatamente no anedotário popular

O AMIGO DA ONÇA

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Reprodução/Foto-RN176  O amigo da onça, ele  sempre foi inconveniente nus momentos não oportuno. Das pessoas:  – NÃO TENHO NADA COM ISSO, NÃO. MAS FOI ESSE “TIME” AI QUE ASSINOU A LISTA PRA VOCÊ SER DESPEJADO.

A charge foi publicada pela primeira vez na revista “O Cruzeiro” em 23 de outubro de 1943. Satírico, irônico e crítico de costumes, o Amigo da Onça aparece em diversas ocasiões desmascarando seus interlocutores ou colocando-os nas mais embaraçosas situações. Anos mais tarde, “amigo da onça” também se transformaria em uma expressão popular, originada deste personagem.

SUICÍDIO

Dono de uma personalidade atormentada, o sucesso estrondoso fez com que Péricles, inusitadamente, passasse a odiar sua criação, pois desde então, o cartunista era sempre citado como “O criador do Amigo da Onça”. Apesar disso, Péricles continuou ilustrando suas histórias semanalmente, por 17 anos ininterruptos. O sofrimento chegaria ao seu ápice na noite de 31 de dezembro de 1961, quando, em seu apartamento no Rio de Janeiro, Péricles abriu o gás de seu fogão, mas, antes, fixou na porta um cartaz onde se lia: “não risquem fósforos”.

O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveria na época:

“A solidão do caricaturista seria talvez reação contra a personagem, que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres”.

DESPEDIDA

Sentindo-se só, preferiu matar-se a enfrentar um romper de ano lucido e triste. Preparou cuidadosamente a morte. Fechou hermeticamente a cozinha de seu apartamento (Rua Barata Ribeiro, 160, ap. 612), escreveu 2 bilhetes e deitou-se sobre um lençol para esperar o fim. Antes, não se sabe se por mórbido humorismo ou precaução para com os outros, colou com fita adesiva o seguinte aviso na porta: “Não acendam fósforos: é gás”.

A policia encontrou dois bilhetes junto ao corpo. O primeiro endereçado “A quem interessar possa”. O segundo endereçado à sua mãe. Ambos eram tristes. No primeiro, o suicida disse:

“Estou perfeitamente sóbrio e não desejo culpar ninguém pelo meu gesto. Apenas estou me sentindo só”.

Na segunda, endereçada a mãe, Péricles lamenta o próprio gesto:

“Querida mãe, sinto profundamente pela senhora, mas meu estado de espírito levou-me a isto”.

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Reprodução/Foto-RN176  Da direita para esquerda a caricatura do criador do “Amigo da Onça”, e a criatura o cartunista Péricles de Andrade  Maranhão

Os rostos tristes de seus amigos e colegas de imprensa, principalmente dos humoristas Millôr Fernandes, Ziraldo, Fortuna, Jaguar e Michel, marcaram o triste fim do cartunista que fazia rir, todas as semanas, milhares de pessoas com suas charges, e que sentiu tão sozinho quando todos comemoravam o ano novo. Tinha apenas 37 anos de idade.