Do MPB à TV: cantora lésbica se reinventa após 41 anos de carreira

ROTANEWS176 18/03/2024 16:00                                                                                                                              Por Flora Vieira

Laura Finocchiaro já fez single com Cazuza, foi produtora de reality shows e hoje promove festival para o fomento de cultura LGBTQIAPN+ na capital paulista

 

Reprodução/Foto-RN176 Laura Finocchiaro tem onze álbuns de estúdio lançados, e além de cantora, trabalhou na TV Globo, Record e SBT como produtora musical – Divulgação

A história de Laura Finocchiaro se confunde com a história da televisão e MPB brasileira. Muito antes de se dedicar ao ativismo LGBTQIAPN+ , a cantora, compositora e produtora desenvolveu grande paixão pela música, que permeia toda a sua carreira até os dias de hoje.

Durante as décadas de 1980 e 1990, ela colaborou com grandes artistas da música brasileira como Cazuza, Tom Zé e Vange Leonel. Foi nacionalmente revelada no Rock In Rio 1991, quando abriu os shows de Prince, Santana e Alceu Valença.

Em paralelo, Laura trabalhou como produtora musical na TV Colosso, na TV Globo, e nos anos 2000 trabalhou como sonoplasta nos realitys “A Casa dos Artistas”, no SBT, e “A Fazenda”, da TV Record.

Hoje, a artista organiza o “15 Minutos de Fama com Laura Finocchiaro”, um festival voltado à população LGBT+ de  São Paulo  que tem por objetivo revelar novos talentos queer da música local. Os vencedores do concurso ganham uma ajuda de custo, que servirá de pontapé inicial para o seu desenvolvimento como artistas.

Ao iG Queer , ela relembra sua trajetória, em que a música andou de mãos dadas com sua expressão artística e sua sexualidade como mulher lésbica.

A paixão pela música

Reprodução/Foto-RN176 Lory F., irmã de Laura, ficou bastante conhecida na cena gaúcha do rock nacional; o documentário ‘Sinal de Alerta’ relembra sua história e contribuições para a música brasileira – Reprodução/Sinal de Alerta

Laura nasceu em Porto Alegre  (RS) e tem contato com a música desde os nove anos de idade. Foi apresentada a esse mundo pela irmã, Laurice Maria, ou Lory F., nome pelo qual ficou conhecida na cena do rock gaúcho.

“Ela [Lory] era da contracultura. Tinha uma visão [inovadora] do mundo, e a gente viu os festivais pela televisão, aqueles que rolaram na TV Record nos anos de 1960, de 67 a 69. Então, eu vi na TV Chico, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Mutantes, Novos Baianos…”, explica.

Na adolescência, Laura experimentava com a música, criando bandas e tocando violão sozinha ou para seus amigos e colegas em festas e bailes. Esta época foi também importante para o descobrimento de sua sexualidade.

“Eu tinha um namorado, montei a minha primeira banda no final dos anos de 1970, mas quando eu comecei a ensaiar com os músicos, o meu namorado falou: ‘Ou eu ou a música’ […] E eu falei: ‘A música. Se é assim, é a música’”, conta.

Foi aos 17 anos que ela descobriu seu amor por mulheres, quando, se envolveu com uma garota que cantava para seus colegas. Laura teve a sorte de crescer em um lar que não a julgava, o que permitiu que ela e suas irmãs, Lory e Deborah, vivenciassem suas sexualidades sem amarras.

“Essa mulher começa a cantar, e eu pensei: ‘Espera aí, que voz é essa?’. Me apaixonei pela voz [dela] […] De noite, essa mulher estava meio bêbada, foi até a minha casa e bateu em minha porta. Minha mãe abriu, e ela dormiu comigo”, conta a artista.

Reprodução/Foto-RN176 Laura Finocchiaro tocou Rock in Rio de 1991, abrindo o show de Prince, Santana e Alceu Valença no evento – Reprodução/Rock In Rio

Laura considera que seu interesse pela música sempre esteve muito ligado à sua forma de amar. A influência que sua irmã, Lory, teve em sua vida, e a liberdade que usufruiu no início da vida adulta, moldaram seu jeito de fazer música.

“Como compositora, a minha música veio do coração, sabe? Porque veio mesmo. Foi a paixão [pela música] que me moveu por uma mulher e transformou a minha vida”, revela.

Lory faleceu em 1993, vítima da Aids , fato que também deixou marcas na cantora, que via na irmã uma fonte de inspiração para seu trabalho.

“[As consequências do preconceito com pessoas HIV positivo são] quando as pessoas param de te beijar, param de se aproximar de ti […] Eu vi a minha irmã sofrer com isso. Eu ia lá e defendia ela e falava: ‘Quer saber? Eu vou dar um beijo na boca dela, e se for para pegar eu pego’, eu amo ela. Eu fiz isso, e [a morte da minha irmã] dói no coração.”

A nascimento do festival

Reprodução/Foto-RN176 Laura iniciou sua carreira em São Paulo participando de festivais; o primeiro festival do qual participou aconteceu no Lira Paulistana, importante teatro na história da cultura da capital paulista – Reprodução/Vanguarda Paulista

Laura, que tem 19 álbuns de estúdio, se mudou para São Paulo na década de 1980. Fez isso para participar de um festival de música organizado pelo Teatro Lira Paulistana, o “Boca no Trombone”, que ocorreu em março de 1983.

Em São Paulo, ela também conheceu e foi casada por nove anos com Suzy Capó, produtora responsável pelo Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, que dá espaço para a comunidade queer. Suzy também incentivou Laura a assumir a letra L para si, numa época em que o termo despertava mais  preconceito  que atualmente.

“[Suzy me disse:] ‘Eu sei que tu tem uma alma ‘bi’, que tu gosta de homem e de mulher, só que tu vai ter que assumir a letra L, porque essa letra é repleta de preconceito’ […] Então eu passei a falar sim, sou lésbica”, revela.

O tempo foi passando e a participação de Laura em festivais de música foi ficando mais frequente, o que culminou no seu reconhecimento pela cidade. Sua participação nas paradas LGBTQIAPN+ de São Paulo, que foram cada vez recebendo mais pessoas, também contribuiu para seu mergulho no ativismo.

Reprodução/Foto-RN176 A primeira parada LGBT de São Paulo aconteceu na praça Roosevelt, em 1997, e reuniu em torno de 500 pessoas, segundo a polícia da época – Reprodução/GayBlog

A cantora passou por uma série de gravadoras, até que resolveu abrir sua própria, que fica ao lado da praça Roosevelt, — no Centro da cidade —, praça que foi lar de uma das primeiras manifestações queer da capital paulista.

Após tentar vários editais como musicista, recebeu o conselho de uma amiga e inscreveu um projeto que unia sua paixão pela música e seu histórico de luta. A mudança de perspectiva rendeu frutos, e daí nasceu o “15 minutos de Fama com Laura Finocchiaro”.

‘15 minutos de fama’

O projeto “15 minutos de Fama com Laura Finocchiaro” foi aprovado em um edital do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC SP), em novembro do ano passado, e é apoiado pela Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas da cidade.

A estrutura é simples: entre os inscritos, serão selecionados por um grupo de jurados oito finalistas. Estes serão divididos em dois grupos de quatro candidatos, e cada um dos grupos participará de uma eliminatória diferente.

A primeira acontecerá no dia 26 de maio, às 18h, no Largo do Rosário, Zona Leste da capital. A segunda está marcada para o dia 9 de junho, no mesmo horário, mas na Zona Oeste.

Os primeiros colocados em ambos os grupos participarão de uma final, em que deverão montar um show de 15 minutos utilizando músicas autorais e covers de escolha própria. A final ainda não tem data confirmada.

Os dois vencedores receberão uma ajuda de custo para dar continuidade às suas carreiras, além da própria divulgação proporcionada pela participação no concurso. As datas para as eliminatórias já foram divulgadas, e elas poderão ser assistidas tanto presencialmente, com entrada gratuita, ou ao vivo, nas redes sociais do evento.

FONTE: IG