“Foi a educação que me transformou e abriu meu caminho na tecnologia”

ROTANEWS176 E POR DELAS 13/09/2022 06:00                                                                                                       Por Daniela Ferreira

Lindalia Junqueira encontrou na educação um caminho de mudança de vida e hoje representa o Brasil na Singularity University no Centro de Pesquisa Ames, da NASA

 

Reprodução/Foto-RN176Lindalia Junqueira conseguiu superar a desigualdade de gênero e de classe e conquistar o seu reconhecimento – Reprodução/Instagram

Reconhecida internacionalmente por seus feitos acadêmicos, Lindalia Junqueira é a primeira brasileira a ser embaixadora no Brasil do Global Women e a ser chamada para trabalhar na Singularity University no Centro de Pesquisa Ames, da NASA. Com uma carreira de sucesso e prestígio, ela relembra, em entrevista ao IG Delas, como os estudos foram o ponto-chave para a mudança de sua vida e da força e resiliência que teve de construir para resistir em um ambiente de trabalho masculino.

Além disso, também conversamos sobre o futuro das mulheres na ciência, destacando a importância da presença de mulheres inspiradoras e políticas sociais que ajudam na inserção das mulheres em áreas de trabalho voltadas para a tecnologia. “Quando as mulheres enxergam outras mulheres, se tornam referências, inspiram a desbravar e a buscar aquele caminho.”

IG Delas: O que motivou você a trabalhar com tecnologia? Você vivenciou preconceitos por ser mulher durante a sua jornada profissional?

Lindalia Junqueira: Sempre gostei de matemática, de lógica, de ciência, de saber como as coisas funcionavam. Essa curiosidade me movia, me formei em engenharia, derivado da palavra “engenho”, que vem de criar, construir, montar e produzir. E brincava desde cedo com meus irmãos, não tinha essa diferença do que era jogo de menino ou menina lá em casa.

Ser uma liderança feminina no setor de tecnologia sempre exigiu que mostrasse resultados acima do esperado. Muitas vezes, tinha que estudar mais, trabalhar mais do que os outros e superar todas as metas. Mesmo assim, a remuneração era menor do que homens na mesma posição. Não precisava ser feminista, “queimar soutien”, mas muitas vezes tive que adotar atitudes tipicamente masculinas para ter espaço, ter voz. Às vezes, as resistências vêm até de outras mulheres. Sim, já passei por assédio moral, sexual e exclusão.

Passei a ter coragem de me expor mais, de falar abertamente sobre essas dificuldades, de conquistar aliados a causa, me associar a outros movimentos em prol de mulheres na tecnologia.

IG Delas: Como você se sentiu sendo a primeira mulher brasileira escolhida pela Singularity University no Centro de Pesquisa Ames? E o que você acha que isso representa para as outras mulheres brasileiras?

Lindalia Junqueira: Para quem veio de infância super pobre, estudos em colégios públicos, sem acesso a laboratórios de tecnologias, foi a educação que me transformou e abriu essa visão. E sempre a cada degrau conquistado tinha de dar o primeiro passo…

Confesso que quando me inscrevi no programa, não imaginava ser selecionada. Em 2010, ao lançarem o Singularity, eles selecionavam um líder de cada país, de experiências e conhecimentos diferentes. Entendi que me escolheram não somente pelo currículo, mas sim pela capacidade de execução e de multiplicação.

Ao chegar à NASA, foi uma descoberta incrível, de que podia aprender robótica com um dos maiores especialistas do mundo, o astronauta Dan Barry, em 4 horas somente. E depois, em mais 4 horas, já ter a capacidade de desenvolver um projeto em equipe.  Na NASA, não fazia diferença se eu era mulher ou não.

Abre a mente para infinitas possibilidades ao descobrir como funcionam as tecnologias exponenciais, e como poderíamos criar soluções que impactassem de verdade a humanidade. As tecnologias são cada vez mais acessíveis, mais baratas, mais simples de usar. Faz a diferença hoje quem consegue engajar para colaborar. Não existe inovação sem colaboração.

IG Delas: Apesar do ingresso das mulheres em áreas voltadas para a tecnologia terem aumentado nos últimos anos, elas ainda são minoria no mercado de trabalho, em sua opinião, por que isso acontece?

Lindalia Junqueira: Empresas e investidores já entenderam que diversidade traz produtividade. Agora exigem mais mulheres nos boards, nos conselhos. E tenho sido procurada por várias empresas para contratar mais mulheres para as vagas techs. Inclusive no Hacking. Rio, maior maratona de desenvolvedores que já está na 5ª edição, tivemos clusters somente de mulheres para contratação.

Reprodução/Foto-RN176 Lindalia Junqueira discursou recentemente no Brasil do Global Women como embaixadora – Reprodução/Instagram

A Pesquisa do Boston Consulting Group aponta que, mesmo recebendo menos investimentos, as startups lideradas por mulheres são muito eficientes e trazem retorno maior do que aquelas fundadas por homens, gerando receita 12% maior em renda acumulada em um período de cinco anos.

Barreiras ainda existem, desde a falta de incentivo, que começa na escolha da graduação (por mais que 60% dos formandos do ensino superior no Brasil sejam mulheres, somente 23,9% delas se formam em cursos de engenharia), a tripla jornada de estudar, trabalhar e cuidar de família, filhos, e a até a autossabotagem, de não se enxergar nesse lugar.

IG Delas: Qual é a importância de se dar visibilidade para mulheres nesse setor?

Lindalia Junqueira: Quando as mulheres enxergam outras mulheres, se tornam referências, inspiram a desbravar e a buscar aquele caminho. Muito importante principalmente para as meninas que estão pensando agora em quais carreiras seguir.

Ao pensarmos em ciência, é possível que nos lembremos de grandes descobertas e invenções associadas a nomes de cientistas do gênero masculino, como por exemplo Einstein, Newton e Pasteur. Quando se destaca uma mulher como o de Marie Curie, que mesmo com pouca tecnologia e equipamentos, conseguiu descobrir a radioatividade e dois novos elementos na tabela periódica, abriu espaço para uma nova geração de mulheres cientistas.

Só em 2021, uma Física brasileira se destaca ao receber o mesmo título de Albert Einstein e Charles Darwin: a brasileira Angela Villela Olinto, líder no novo campo da “física das astropartículas” que trabalha em projetos com a Nasa. Atualmente ela faz parte de um hall muito seleto: a Academia Americana de Artes e Ciências.

Além de prêmios e entrevistas, precisamos dar mais visibilidade, ver esse padrão de mulheres atuando nos setores de tecnologias se refletirem em filmes, novelas, livros, músicas, games e redes sociais. Quando uma mulher levanta outra, todas se levantam!

IG Delas:  Quais são os principais fatores para essa desigualdade de gênero na tecnologia? E quais são os caminhos para reverter?

Lindalia Junqueira: A desigualdade de gênero, de raça e de etnia no segmento da tecnologia impacta não só a cultura, como também os lucros das empresas. Em 2017, a McKinsey descobriu que as 25 melhores empresas em diversidade de gênero nas equipes executivas possuíam 21% mais probabilidade de obter lucros acima da média.

Por isso, no início precisamos de intervenções. Senão vamos levar pelo menos 80 anos para ter o mínimo de equidade. Por isso, a lei das cotas de participação de mulheres em conselhos se tornou tão importante. Temos muitas mulheres qualificadas, chegou a hora de abrir esse espaço para tomada de decisões em colegiado. Por exemplo, o Parlamento Europeu acaba de estabelecer um acordo para a criação de uma lei que define metas de equidade de gênero para as empresas de capital aberto da União Europeia.

Aprovado no dia 7 de junho de 2022, o texto prevê que, em conselhos sem função executiva, o percentual mínimo de assentos ocupados por mulheres deve ser de 40% e, em colegiados com essas funções, de 33%. Nos dois casos, o alcance das metas deve ocorrer até o final do primeiro semestre de 2026. Sim, atitudes e decisões que demonstrem essa transformação. Exemplos como da ex-presidente da Microsoft Paula Bellizia, que ao assumir exigiu que 50% de sua base de colaboradores fosse composto por mulheres.

Temos que criar esses ambientes de aprendizados techs para meninas desde as escolas de ensino fundamental aos centros técnicos. Incentivar essas práticas, bootcamps de imersão, ampliar acesso aos cursos de tecnologias nas comunidades e aos investimentos para as startups lideradas por mulheres.