O fiador da democracia

ROTANEWS176 E POR ISTOÉ 22/12/2022 9:30                                                                                                          Por Germano Oliveira

O Brasil viveu, este ano, a sua eleição presidencial mais acirrada da história, e muitos suspeitavam que o processo eleitoral poderia ser interrompido por uma crise institucional que nos levasse a um retrocesso político sem precedentes. Temendo não ser reeleito, como de fato não foi, Bolsonaro fez de tudo para desacreditar as urnas, desqualificar os ministros do tribunal eleitoral e provocar um clima de ódio que se espalhou pelo País durante toda a campanha. Esses movimentos antidemocráticos promovidos pelo bolsonarismo só não inviabilizaram as eleições graças à incansável luta de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foi implacável contra as ameaças ao regime democrático. Ele foi o fiador da democracia, garantindo um pleito limpo e transparente. Por essas e outras razões, o ministro foi eleito pelos editores da ISTOÉ O Brasileiro do Ano em 2022, repetindo a premiação concedida a ele no ano passado como Brasileiro do Ano de 2021, por ter sido o “guardião da Constituição”. Ele é bicampeão, portanto. Naquele ano, como agora, o magistrado impediu que os aliados do capitão consumassem um alardeado golpe contra o Estado de Direito. Perderam.

RN176 Ministro Alexandre de Moraes

Ministro – Alexandre de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes, 54 anos, é um dos talentos mais precoces do meio jurídico e um dos maiores especialistas em Direito Constitucional do País. Mal formou-se na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, onde tornou-se doutor em Direito de Estado e hoje é um dos professores mais brilhantes da instituição, Alexandre prestou concurso para uma vaga no Ministério Público de São Paulo aos 22 anos, passando em primeiro lugar. Foi promotor de Justiça de 1991 a 2002, quando pediu exoneração para assumir, em 2004, o cargo de secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, durante a gestão do governador Geraldo Alckmin (nessa altura, aos 33 anos, foi o secretário de Justiça mais jovem do País), função que exerceu até 2005. Nesse período, acumulou também a presidência da Febem, hoje denominada Fundação Casa, que cuida de menores infratores. Como demonstração de que se relaciona com integrantes de todos os governos, independentemente de suas ideologias, Alexandre foi nomeado por Lula para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde atuou de 2005 a 2007. De 2007 a 2010, o ministro foi nomeado pelo então prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD, como secretário municipal de Transportes. De 2010 a 2014, trabalhou num escritório de advocacia, mas a atividade na iniciativa privada durou pouco. Em 2014, foi nomeado pelo governador Alckmin como secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Ele precisou deixar o cargo na segurança paulista para atender ao chamado do presidente Michel Temer que, em maio de 2016, o nomeou ministro da Justiça. Um ano depois, em março de 2017, foi indicado para o Supremo Tribunal Federal para ocupar a vaga do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo. Desde agosto de 2022, ele é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cargo que acumula com o de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Um currículo invejável para uma carreira pública corajosa, onde enfrenta com destemor verdadeiros grupos criminosos que tramam contra a democracia brasileira.

O Brasil viveu, este ano, a sua eleição presidencial mais acirrada da história, e muitos suspeitavam que o processo eleitoral poderia ser interrompido por uma crise institucional que nos levasse a um retrocesso político sem precedentes. Temendo não ser reeleito, como de fato não foi, Bolsonaro fez de tudo para desacreditar as urnas, desqualificar os ministros do tribunal eleitoral e provocar um clima de ódio que se espalhou pelo País durante toda a campanha. Esses movimentos antidemocráticos promovidos pelo bolsonarismo só não inviabilizaram as eleições graças à incansável luta de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foi implacável contra as ameaças ao regime democrático. Ele foi o fiador da democracia, garantindo um pleito limpo e transparente. Por essas e outras razões, o ministro foi eleito pelos editores da ISTOÉ O Brasileiro do Ano em 2022, repetindo a premiação concedida a ele no ano passado como Brasileiro do Ano de 2021, por ter sido o “guardião da Constituição”. Ele é bicampeão, portanto. Naquele ano, como agora, o magistrado impediu que os aliados do capitão consumassem um alardeado golpe contra o Estado de Direito. Perderam.

Ao ser informado sobre a homenagem, Moraes disse que recebia a premiação “em nome de toda a Justiça Eleitoral que soube, de maneira corajosa, firme, serena e imparcial, conduzir as eleições de 2022 até a diplomação no último dia 12 de dezembro”. Para o ministro, a diplomação de Lula e de Alckmin foi um atestado da vitória plena e incontestável da democracia e do Estado de Direito “contra os ataques antidemocráticos, a desinformação e o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, serão integralmente responsabilizados”, afirmou o magistrado na cerimônia no TSE.
Aliás, a expectativa de punições aos que ameaçaram a democracia durante o processo eleitoral deste ano é cada vez mais concreta e iminente. Em um seminário realizado no STF na quarta-feira, 14, o ministro Dias Toffoli comparou os atos contra a democracia no Brasil e nos Estados Unidos, lembrando que na invasão ao Capitólio em Washington, a Justiça americana prendeu 964 pessoas, um número infinitamente maior do que no Brasil, que registrou inúmeros atos antidemocráticos e disseminação de notícias falsas, mas com um volume de prisões bem menor. Também presente ao evento, Moraes disse ter ficado “feliz” com a análise de Toffoli. “Ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar”, assegurou o presidente do TSE. Não por acaso, na quinta-feira, 15, Moraes determinou que a PF cumprisse 108 mandados de busca e apreensão contra suspeitos de financiar protestos antidemocráticos após o resultado das eleições.

Apesar das sanções que ainda deve aplicar aos que desafiaram o regime democrático durante o pleito e que até agora ainda resistem em aceitar o resultado das urnas, realizando manifestações em rodovias e em portas de quartéis, Alexandre de Moraes destacou a importância das instituições brasileiras na condução das eleições. “O Poder Judiciário demonstrou sua absoluta independência para conduzir o pleito eleitoral dentro das regras constitucionais e legais”, destacou o ministro à ISTOÉ. Os baderneiros que incendiaram cinco ônibus e três carros na noite da segunda-feira, 12, em Brasília, para protestar contra a diplomação de Lula, também serão investigados pelo inquérito do STF que procura identificar os responsáveis por atos contra a democracia. Moraes não descarta punições exemplares para que os arruaceiros concentrados no Distrito Federal não se sintam estimulados a realizar novas manifestações ilegais durante a posse do novo presidente, no dia 1º de janeiro.

“As investigações realizadas nos inquéritos sob minha relatoria no STF identificaram inúmeros grupos que vêm financiando os atos antidemocráticos. Todos serão responsabilizados civil e criminalmente”

Para demonstrar que o processo eleitoral jamais esteve ameaçado, em que pese a ocorrência dos atos contra a democracia patrocinados por bolsonaristas, o ministro citou o caso da prisão de Roberto Jefferson, a uma semana da eleição, como exemplo de que o Brasil esteve longe de um rompimento institucional. “Aquele episódio mostrou um réu, já com denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República e recebida pelo STF, desrespeitando a lei e praticando crimes gravíssimos, como as 4 tentativas de homicídios qualificados, pelos quais, inclusive, já está denunciado pelo Ministério Público. Demonstrou, ainda, que a Polícia Federal, com apoio da Policia Militar do Rio de Janeiro, soube tratar o episódio como mais um ataque criminoso às forças policiais, prendendo o autor dos crimes e demonstrando que ninguém está acima da lei”, sustentou o ministro.

Reprodução/Foto-RN176 Joédson Alves

Outra preocupação da Justiça Eleitoral durante a eleição polarizada foi com o uso indiscriminado de fake news. Para o ministro, a utilização em massa das redes sociais de forma criminosa é “fruto de um pensamento antidemocrático e extremista, e foi subvertida para disseminar a desinformação, o discurso de ódio, as notícias fraudulentas e as fake news”. O ministro explicou que a utilização das redes sociais como instrumento democrático de acesso à livre manifestação de pensamento foi desvirtuada por extremistas, no intuito de desacreditar as notícias veiculadas pela mídia tradicional.

Por isso, Moraes entende que as empresas de mídia precisam ter a mesma responsabilidade legal do que os veículos de comunicação tradicionais. “Não tenho dúvidas de que, em proteção à liberdade de expressão, à honra, à privacidade e à dignidade da pessoa humana, as plataformas e redes sociais precisam ter o mesmo tratamento jurídico das demais empresas de mídia, nem mais, nem menos.” Moraes defende mudanças na legislação. “A Constituição consagra o binômio Liberdade e Responsabilidade, e isso precisa valer também para o mundo virtual, sob pena de impunidade das covardes milícias digitais.” As plataformas e redes sociais devem passar, segundo o ministro, a ser tratadas juridicamente como empresas de mídia. Em relação aos usuários que as utilizam para a prática de crimes, a legislação deve ser aperfeiçoada com a introdução de crimes específicos e adequados à essa nova realidade. O TSE irá instituir uma comissão, com ampla participação da sociedade, para apresentar propostas ao Congresso.

O presidente do TSE entende que as acusações de Bolsonaro e seus seguidores contra a segurança das urnas eletrônicas, sem a apresentação de qualquer prova nesse sentido, levará os detratores a punições penais. “Aqueles que, criminosamente, atuaram dessa forma, fazendo acusações sem provas, cometeram mais do que um desserviço ao País, pois ao atentar contra a democracia e o Estado de Direito estão praticando ilícitos penais. O ataque ao sistema eleitoral, enquanto instrumento essencial na concretização da democracia, vem sendo realizado de maneira mais intensa há pelo menos uma década por grupos extremistas e antidemocráticos”, advertiu. Moraes vê indícios de que esses grupos almejam desacreditar a democracia para implantar um regime de exceção. “Não importa qual seja o mecanismo do sistema eleitoral — urnas eletrônicas, voto impresso, voto por carta —, esses grupos extremistas, criminosos e antidemocráticos pretendem, a partir da ‘desinformação’, desacreditar a própria democracia, com ataques aos instrumentos que concretizam o voto popular, substituindo-a por um regime de exceção, por uma ditadura.” Para o ministro, há, portanto, necessidade de uma forte atuação do Poder Judiciário no sentido de preservar a democracia e responsabilizar todos aqueles que praticaram esses crimes.

“Há indícios de que grupos extremistas almejam desacreditar a democracia para implantar um regime de exceção”

O ministro mostra-se preocupado também com a insistência de grupos bolsonaristas em permanecerem bloqueando estradas e ocupando a porta de quartéis para pedir intervenção militar como forma de impedir a posse de Lula, mas ele não acredita que as autoridades policiais estejam sendo coniventes com esses movimentos antidemocráticos. “A Justiça Eleitoral tem grande confiança nas forças policiais, em especial na Polícia Federal, nas Policias Militares e nas Polícias Civis que atuam e auxiliam o TSE de forma importantíssima nos pleitos eleitorais. Este ano, inclusive, de maneira pioneira, o TSE instituiu Núcleos de Inteligência com as Policias Militares e Civis para garantir maior segurança e tranquilidade nas eleições. Saliento, ainda, que, após as eleições, contei com a atuação forte das forças de segurança para pôr fim a bloqueios ilegais nas estradas que estavam prejudicando toda a sociedade brasileira”, disse.

As lideranças desses grupos, contudo, deverão ser incluídas nos inquéritos do STF comandados pelo ministro que apuram os atos antidemocráticos. “As investigações realizadas nos inquéritos sob minha relatoria no Supremo Tribunal Federal contam, além da importante participação da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, com o auxílio de diversos Ministérios Públicos estaduais que, a partir de investigações conjuntas com as policias estaduais, identificaram inúmeros grupos econômicos e pessoas físicas que vêm coordenando e financiando os atos antidemocráticos. Todos serão responsabilizados civil e criminalmente”, prometeu.

“A Constituição consagra o binômio liberdade e responsabilidade, e isso precisa valer também para o mundo virtual, sob pena de impunidade das covardes milícias digitais”

Moraes espera, no entanto, que com a posse do novo governo esse clima de beligerância política e guerra ideológica finalmente acabe e o País possa ser pacificado. “Essa deve ser a finalidade maior de todos os Poderes, instituições e da própria sociedade. Recentemente, em discurso na diplomação do presidente e do vice-presidente eleitos, salientei que a atividade política deve ser realizada sem ódio, sem discriminação e sem violência.” A consequência do ódio e da violência, para o magistrado, é o “vazio e a mágoa”, como alertou Martin Luther King em seu famoso discurso O nascimento de uma nova Nação, proferido em abril de 1957. “A democracia se constrói, se solidifica, prospera e fortalece uma Nação quando a discussão de ideias é mais importante que a imposição obtusa de obsessões, quando as ofensas e discriminações cedem lugar ao diálogo e temperança, quando o ódio perde seu lugar no coração das pessoas para a esperança, respeito e união”, filosofou o Brasileiro do Ano de 2022.