Organização estima que Brasil tenha mais de meio milhão de pessoas ostomizadas

ROTANEWS176 12/10/2023 05h00                                                                                                                                Por Heloísa Noronha

Movimento aponta defasagem nos dados de 2018 do Ministério da Saúde e realiza congresso este mês em prol de visibilidade e direitos.

 

Reprodução/Foto-RN176 Levantamento do Movimento Ostomizados do Brasil indica que existem mais de 600 mil pessoas com ostomia no Brasil Foto: iStock

Hoje, data em que se celebra o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física em todo o país, uma organização vem trabalhando para trazer visibilidade à sua causa. Com associações espalhadas em todo o território nacional, o Movimento Ostomizados do Brasil (MOBR) está cuidando dos últimos preparativos para a Conferência Nacional em Atenção às Pessoas com Ostomia e Incontinência (CONAPOI 2023), que acontecerá nos dias 23 e 24 de outubro em Natal (RN). Segundo prognóstico do Ministério da Saúde em 2018, existem mais de 400 mil pessoas ostomizadas no Brasil. Porém, segundo Ana Paula Batista Soledade, presidente da MOBR e da Associação de Ostomizados do Distrito Federal (AOSDF), o contingente pode ser bem maior.

“Oficialmente não existem dados qualitativos e quantitativos que apontem a comunidade brasileira ostomizada, mas, segundo nossos levantamentos preliminares, esse contigente ultrapassa 600 mil pessoas”, diz Ana Paula.

A ostomia (ou estomia) é um procedimento cirúrgico que cria uma abertura externa no corpo. Várias condições de saúde exigem uma cirurgia para a realização de estomas, tais como câncer, doença de Chagas, doença de Crohn, malformações congênitas (ânus imperfurado, mielomeningocele) e traumas abdominoperineais (ferimento por armas de fogo ou brancas, acidente automobilístico e outros), entre outras, que podem ocorrer em qualquer faixa etária.

Existem vários tipos de ostomia – como traqueostomia, gastrostomia, urostomia, ileostomia e colostomia, só para citar alguns exemplos – sendo que algumas exigem a colocação de bolsa coletora junto ao corpo para a eliminação de fezes ou urina.

Reprodução/Foto-RN176 Ana Paula diz que entre os principais problemas enfrentados pelas pessoas com ostomia, hoje, estão a falta e a baixa qualidade das bolsas coletoras disponíveis no SUS Foto: Divulgação

Embora ainda seja uma condição cercada de preconceito e desconhecimento, a ostomia vem pouco a pouco deixando de ser tabu pelo fato de que celebridades como Luciano Szafir e Preta Gil passaram a compartilhar suas experiências com a bolsa coletora com o público. As ostomias podem ser temporárias (após um tempo pré-determinado serão fechadas por meio de nova intervenção cirúrgica) ou definitivas.

Quando não há a possibilidade de reverter a ostomia, ou seja, quando o ostomizado tiver que viver com uma bolsa coletora junto ao corpo para sua sobrevivência, ele passa a ser considerado uma pessoa com deficiência. Isso está previsto nos Decretos Federais 3.298/1999 e 5.296/2004. Por conta disso, a pessoa com ostomia tem os direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº13.146/2015).

É válido saber que as pessoas ostomizadas são consideradas PcDs porque, conforme o Decreto 5.296/2004, é considerada deficiência física toda “alteração, completa ou parcial, de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física”, o que inclui a falta de controle esfincteriano, intestinal ou urinário.

Direitos e necessidades

Vagas de empregos exclusivas para PcD, isenção de impostos na compra de veículos adaptados, passe livre em transportes públicos, isenção de imposto de renda e atendimento prioritário são alguns dos direitos das pessoas com ostomia. Existem ainda outros direitos bem específicos, como o acesso a bolsas coletoras por planos e seguros de saúde e cuidados garantidos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), mas, segundo o Movimento Ostomizados do Brasil, ainda há muito o que melhorar.

A divulgação dos resultados sobre a população com deficiência no Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só deve ser feita em 2024. A expectativa é de que o levantamento forneça dados qualitativos ou quantitativos que apontem o número de pessoas ostomizadas no país, os quais possam, consequentemente, direcionar a formulação e o fortalecimento de políticas públicas de inclusão e de tratamento adequado dos ostomizados pelo SUS.

Reprodução/Foto-RN176 Anderson: processo de aceitação e compartilhamento de experiências no Instagram Foto: Reprodução/Instagram/@vidadeostomizado

“Entre os principais problemas enfrentados pelas pessoas com ostomia, hoje, estão a baixa qualidade das bolsas coletoras disponíveis, que nem sempre também são adequadas às necessidades do usuário, o pode fazer com que estourem ou se rompam antes do tempo”, comenta Ana Paula, que tem 47 anos e é uma pessoa ostomizada há 15.

A falta de insumos nas Unidades Básica de Saúde (UBS) também é outro ponto sensível. Cada pessoa com ostomia tem direito à uma quantidade específica, conforme a particularidade de cada caso, de bolsas coletoras por mês, mas há reclamações nos quatro cantos do país sobre o número disponibilizado e até mesmo sobre a total ausência de materiais. “Sei de casos de pessoas que, no desespero, usam sacolas plásticas de supermercado e até aquelas embalagens de sorvete tipo geladinho”, diz.

Um ponto importante levantado pelo MOBR e que deve ser discutido com mais profundidade durante a CONAPOI 2023 é a defesa dos cursos de especializações na área da saúde, principalmente enfermagem, com horas práticas.

“Temos muitas ofertas de especialização sem essa obrigatoriedade, o que coloca no mercado profissionais sem a mínima experiência para tratar e atender uma pessoa com ostomia”, fala Ana Paula, que completa: “Ainda está em pauta na Câmara dos Deputados a regulação da fila de espera do SUS de pessoas aguardando a realização da reversão da ostomia. Caso o procedimento passe do prazo indicado pelo médico, a pessoa pode ficar mutilada para o resto da vida sem necessidade”.

Outros temas em discussão são a necessidade de protocolos para o pré-operatório, o durante e o pós-cirurgia, e a necessidade de banheiros acessíveis para que pessoas com ostomia possam fazer o descarte ou a limpeza das bolsas coletoras sem constrangimento.

Reprodução/Foto-RN176 Thaís: “Passei a enxergar a bolsa como um recomeço” Foto: Reprodução/Instagram/@eu.thaismatos

Redes socias ajudam a normalizar condição

Segundo Ana Paula, o cenário para pessoas com ostomia no Brasil está longe de ser o ideal. Porém, sem romantizar o tema, ela afirma que viver com uma bolsa coletora junto ao corpo não significa, necessariamente, uma condenação. “Obviamente, não existe uma normalidade em comparação à vida de antes da cirurgia, mas é possível ter uma vida normal dentro dos limites da condição. Por isso devemos lutar por direitos, acessibilidade e produtos em quantidade e de qualidade”, observa.

Para o técnico em enfermagem Anderson Ferraz, paulista 48 anos, o processo de aceitação da bolsa não é algo fácil. “Eu demorei cerca de um ano”, conta ele, que tem ileostomia e cistostomia definitivas. “Hoje lido melhor com tudo, inclusive com o preconceito, mas a falta de material no SUS, como aconteceu no mês passado, ou receber um insumo diferente do habitual são coisas que afetam muito o emocional e às vezes dão uma sensação de desamparo”, revela.

No entanto, Anderson não se deixa abater e, até pela característica da própria profissão, ajuda as pessoas recém-ostomizadas no hospital privado em que trabalha a aceitar a nova realidade. Ele compartilha suas vivências em sua página no Instagram Vida de Ostomizado.

As redes sociais, aliás, são uma fonte de apoio para quem vive ou conhece alguém que vem enfrentando uma ostomia. Com 599 mil seguidores no Instagram e mais de 130 mil no TikTok, Lorena Eltz, 23 anos, é a principal influencer do tema e faz questão de detalhar sua rotina para desmistificar o assunto. “A falta de informação sobre ostomia é nossa maior batalha ainda. As pessoas julgam muito nossa condição por não entenderem do que se trata e acham que somos incapazes, que não conseguimos fazer nada. É mito que não podemos engravidar, que não podemos ir à praia, ter um dia a dia saudável ou até mesmo um relacionamento e um trabalho”, ressalta.

Lorena costuma usar o cordão de fita com desenhos de girassóis que identifica, em todo o Brasil, as pessoas com deficiências ocultas. “Para mim é importante por causa das idas ao banheiro ou quando preciso de assistência nos lugares, afinal, gosto de tentar fazer o máximo que posso sozinha mesmo. É assim que eu me identifico, tentando levar mais conscientização nos lugares que eu frequento”, relata.

Reprodução/Foto-RN176 “Posso não ter uma vida considerada normal, mas tenho uma vida plena”, fala Vivi Foto: Reprodução/Instagram/@ostomiasemtabuoficial

Celebração à vida

Devido à uma má formação congênita, Vivi Mattos, criadora de conteúdo do Ostomia sem Tabu, nasceu sem intestino grosso e sem ânus. Submetida à uma ileostomia com apenas dois dias de vida, ela passou a vida inteira com a bolsa coletora acoplada ao corpo, além de precisar usar fralda durante 22 anos por conta da incontinência urinária.

Hoje, aos 37 anos, ela compartilha suas experiências no Instagram e no YouTube. Carismática, articulada e direta, Vivi dá dicas que vão de como usar a bolsa na praia ou na piscina a sugestões de como trocá-la e esvaziá-la fora de casa e até mesmo dicas de sexo para pessoas com ostomia.

Casada, está em processo de adoção de duas crianças e diz que sua condição nunca a impediu de nada. “Faço tudo de forma adaptada, pois para mim tudo é natural. Posso não ter uma vida considerada normal, mas tenho uma vida plena”, comemora.

Reprodução/Foto-RN176 Lorena Eltz, influencer: “A falta de informação sobre ostomia é nossa maior batalha ainda” Foto: Reprodução/Instagram/@lorenaeltzz

A celebração à vida com ostomia também dá o tom às postagens da advogada Thaís Matos, de 31 anos, que tem doença de Crohn e já se submeteu a cinco cirurgias. Ela conversou com o Terra NÓS às vésperas de mais uma especialmente promissora. “O otimismo faz toda a diferença para a pessoa com ostomia, pois dá uma outra perspectiva da situação. Quando eu coloquei a bolsa de forma provisória, pensava que preferiria a morte a ter que usá-la definitivamente. Até que tive que enfrentar o que eu mais temia”, relembra.

Thaís conta ter vivido um “momento de luto” com a ostomia, mas que, após aceitar, se esforçou no processo de adaptação e hoje não deixa de viver nada por conta dela. “Meu discurso não é vitimista, pois passei a enxergar a bolsa como um recomeço”, admite.

FONTE: NÓS